Verão se aproximando, vacinação no país avançada. É hora, então, de programar aquela viagem de final de ano.
Uma boa opção para a busca de estadia são as plataformas que oferecem o aluguel de imóveis a preços mais convidativos do que aqueles cobrados por hotéis. A mais popular delas é, sem dúvida, o Airbnb.
Fundada em 2008, na Califórnia, a empresa começou a operar no Brasil em 2012. Sua plataforma facilita o contato entre potenciais locatários e locadores. Visto como um negócio disruptivo, seu modelo se destaca por possibilitar que qualquer proprietário ceda seu imóvel ou parte dele (um quarto, por exemplo), pelo período que desejar.
Antes de "fechar" o contrato, os interessados podem obter informações da outra parte (locador ou locatário) por meio de avaliações de outros usuários relativas a operações anteriores.
Com a pandemia, a necessidade de isolamento social e a adoção do trabalho remoto, houve uma alteração no perfil dos locatários e um aumento na busca por este tipo de locação.
O sucesso do Airbnb é revelado também por sua receita. De acordo com matéria do Estado de Minas, a empresa teve neste ano o melhor trimestre de sua história. Em carta aos investidores, celebrou: "O mundo está passando por uma revolução em nossas formas de vida e de trabalho".
Mas aqui é válida a ressalva: a sociedade caminha mais rápido que o direito. Quando pensamos na evolução tecnológica, então, é fato. A produção legislativa não a acompanha. E em relação às chamadas inovações disruptivas, este "gap" fica ainda mais evidente.
Um caso sempre lembrado para ilustrar essa realidade é o da Uber, cuja chegada em nossa sociedade trouxe intensos debates sobre a necessidade de regulação do negócio. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou sobre a natureza dos serviços prestados pela empresa (RE 1.054.110). Baseando-se nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, os ministros reconheceram a inconstitucionalidade de uma lei municipal que proibia o exercício da atividade de transporte individual via aplicativo.
O julgamento representou um passo importante na interpretação de serviços relativos à chamada economia compartilhada.
Dentro deste contexto está o Airbnb, cujo modelo de negócio carece de um tratamento legislativo próprio. Afinal; quando alguém oferece seu imóvel ou parte dele para terceiros via plataforma, estamos diante de um contrato de locação ou de um serviço de hospedagem? Os demais condôminos de um edifício onde o imóvel está localizado podem se opor à cessão de imóveis por este formato?
Estas questões têm sido levadas ao judiciário nos últimos anos e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proferiu dois importantes julgamentos sobre o tema (RESP 1819075 e RESP 1884483). Um em abril deste ano e o outro, mais recente, concluído no último dia 23/11. O Airbnb não foi parte nessas ações, mas o resultado delas impacta diretamente em seu negócio.
O primeiro julgamento envolveu uma ação movida por um condomínio contra dois de seus condôminos para impedi-los de alugarem quartos de seu apartamento, via plataforma.
A ação teve por fundamento normas da convenção do condomínio que proíbem atividade comercial no edifício. Ou seja: de acordo com a convenção, as unidades só podem ser utilizadas para fins residenciais.
Após verem o pedido do condomínio ser acolhido em primeira e segunda instâncias, os condôminos recorreram ao STJ, mas a corte manteve a decisão. Prevaleceu o entendimento de que os recorrentes (os condôminos) estavam, de fato, realizando serviços de natureza comercial.
Os ministros concluíram que aqueles contratos celebrados via Airbnb podiam ser definidos como contratos atípicos de hospedagem e não como contratos de locação por temporada, como alegavam os proprietários dos imóveis e como sempre defende a empresa. Foi enfatizado, ainda, por um dos ministros que não é o fornecimento da hospedagem via plataforma que lhe dá uma natureza comercial, mas a forma como a cessão do imóvel é realizada.
No caso em questão, os condôminos chegaram a alterar a estrutura do apartamento, deixando-o semelhante a um hostel. Além disto, forneciam serviços extras de limpeza e internet.
Em outras situações, contudo, esta análise não é tão simples. Imagine a cessão de um apartamento para alguém que trabalha de forma remota e que deseje "transferir" sua residência por alguns dias para uma cidade litorânea. Trata-se, nesta situação, de um contrato de locação por temporada ou de um contrato de hospedagem (ainda que atípico)?
No segundo caso julgado pelo STJ, a forma de utilização do imóvel ficou em segundo plano e o Tribunal acabou conferindo validade a uma cláusula presente na convenção do condomínio que, na prática, acabou por estipular um critério objetivo para definir a natureza do serviço.
A ação, proposta pelo proprietário de um apartamento em Londrina, no Paraná, tinha por objetivo a anulação da cláusula que impedia a locação de imóveis em períodos inferiores a 90 dias (é o limite previsto na Lei 8245/91 para locação por temporada).
Ele alegou, em suma, que uma cláusula da convenção de condomínio não poderia se sobrepor ao seu direito de propriedade garantido constitucionalmente.
O condômino conseguiu uma decisão favorável em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça do Paraná e o STJ tiveram entendimento diverso, prevalecendo a ideia de que o exercício do direito de propriedade tem limites e que a locação de um imóvel por curtas temporadas pode trazer riscos para a coletividade dos outros condôminos.
Alguns pontos do voto divulgado pelo ministro relator na sessão de julgamento chamaram bastante atenção e foram alvo de crítica por diversos juristas. Vale a pena transcrever aqui alguns trechos:
"A partir de tal premissa, chega-se à conclusão de que a exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio réu. É inegável a afetação do sossego, da salubridade e da segurança causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem o compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas (...)
O efeito ou intenção de quem se encontra provisoriamente é aproveitar ao máximo os poucos dias de permanência, comportamento que muito difere do uso ordinário conferido por aqueles que lá residem a ensejar, para além do incremento nas despesas da manutenção, a insuficiência dos espaços de uso comum normalmente planejados para atender à demanda ordinária dos residentes.
Essa mesma diferença de comportamento mostra potencial para afetar o sossego e a salubridade das pessoas que vivem em condomínio. O estado de ânimo daqueles que utilizam seus imóveis para fins residenciais não é o mesmo de quem se vale de um espaço para aproveitar suas férias, valendo também lembrar que as residências são cada vez mais utilizadas para o trabalho em regime de home office, para o qual se exige maior respeito ao silêncio, inclusive no período diurno.
Por último, não há como negar que a segurança dos demais condôminos ficaria mais vulnerável com a constante entrada e saída de novos moradores em curto espaço de tempo, notadamente nos condomínios menores e naqueles situados em locais isolados".
Por último, não há como negar que a segurança dos demais condôminos ficaria mais vulnerável com a constante entrada e saída de novos moradores em curto espaço de tempo, notadamente nos condomínios menores e naqueles situados em locais isolados".
Ao prevalecer, portanto, este entendimento, para o Superior Tribunal de Justiça, locações de imóveis por alguns dias, por uma semana, ou até mesmo por um mês sempre terão natureza de hospedagem; independentemente do fim para o qual ele for alugado. E, consequentemente, são plenamente válidas as cláusulas de convenções de condomínio que as proíbam.
As decisões aqui citadas não são precedentes definitivos ou de repercussão geral, mas sem dúvida causam um impacto sensível no modelo de negócios do Airbnb e de outras plataformas de locação de imóveis por temporada.
Caberá à empresa e aos usuários adequarem-se a essa realidade.
* Luiz Felipe Ribeiro Rodrigues é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial.
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br