Imagine a seguinte situação: você está viajando de férias e precisa de um atendimento médico de emergência. Ao ser atendido no hospital, antes mesmo de ser encaminhado para o médico que o examinará, um funcionário acessa um banco de dados com todas as informações relativas ao seu histórico de saúde, facilitando, com isto, o diagnóstico e um possível tratamento. Não seria ótimo?
Imagine agora que você está insatisfeito com sua operadora de saúde e deseja "migrar" seu plano para uma outra empresa que ofereça melhores condições. E se esta outra empresa tivesse acesso a todas suas informações mediante consulta prévia a um banco de dados unificado? Essa migração ou portabilidade ficaria mais fácil, não é mesmo?
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De acordo com Queiroga, este registro seria inspirado no Open Banking, sistema que está sendo implementado no setor bancário e que permite o compartilhamento de dados dos consumidores com várias instituições financeiras. Para o Banco Central, o Open Banking poderá garantir uma melhor oferta de serviços e fomentar a concorrência no setor.
Assim, com o acesso prévio aos dados dos usuários, as operadoras de planos de saúde conseguiriam oferecer planos mais baratos para pacientes que utilizassem menos os serviços, facilitando, também, a portabilidade.
Para o ministro, isso incentivaria a entrada de novas empresas no mercado, diminuindo a concentração que acontece no setor. Além disso, na visão dele, com mais empresas na iniciativa privada, haveria uma diminuição da sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em um estudo publicado no dia 12/01, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aponta algumas causas para concentração econômica na área da saúde, como participações societárias cruzadas e integrações verticais, fenômenos normalmente observados em operações de fusões e aquisições.
Em outro estudo divulgado em outubro de 2021 o órgão concluiu que não há, a princípio, uma relação entre os preços praticados no segmento de saúde e os níveis de concentração econômica no setor.
Enfim, a questão da concorrência e da concentração de mercado no segmento de saúde suplementar é bem complexa; demanda estudos mais aprofundados e necessita de soluções mais elaboradas. Não parece, portanto, que a proposta apresentada possa ser eficaz para a mudança deste cenário.
O Open Health chama muita atenção, também, sob o aspecto da legalidade.
Diferentemente do que ocorre com os dados compartilhados com instituições financeiras, como no Open Banking, informações relativas à saúde são consideradas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) dados sensíveis e seu tratamento indevido pode gerar maiores danos aos seus titulares (uma melhor definição de dados sensíveis pode ser vista em outro texto desta coluna).
A natureza deste tipo de dado, por si só, já é um impeditivo para seu compartilhamento. Além disso, a lei proíbe, de forma expressa, sua utilização para determinar valores dos planos de saúde. É o que prevê o § 5º do artigo 11 da LGPD:
§ 5º É vedado às operadoras de planos privados de assistência à saúde o tratamento de dados de saúde para a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários.
O Open Health tem entre seus objetivos exatamente isto: vender planos "sob medida" com valores de mensalidades mais baixas para pessoas saudáveis e mais altas para aqueles consumidores com um histórico de problemas de saúde.
É evidente, portanto, a ilegalidade e a inconstitucionalidade da proposta apresentada pelo ministro Queiroga.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br