Subordinação algorítmica e ausência de regulação. Estes foram os principais fundamentos utilizados pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maurício Godinho, para reconhecer o vínculo empregatício entre um motorista e a UBER. Ele foi o relator da decisão em um recurso proferida pela Terceira Turma do Tribunal e publicada nesta terça-feira, dia 11/04 (Processo 100353-02.2017.5.01.0066). O julgamento, já citado aqui, havia sido interrompido em razão de um pedido de vista do Ministro Alexandre Agra Monte, que acabou vencido.
A ação foi proposta originalmente na Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro por um motorista que prestou serviços para a empresa durante dois meses. Ele pleiteou o reconhecimento do vínculo de emprego, mas teve seu pedido negado pelo juiz de primeira instância e pelo Tribunal Regional. Apresentou, então, o recurso ao TST, que acabou sendo acolhido.
Segundo o entendimento da maioria (Ministros Mauricio Godinho e Alberto Bresciani), o modelo de negócio adotado pela plataforma contém todos os elementos exigidos por nossa lei para a caracterização do vínculo de emprego.
O primeiro deles, a pessoalidade, pôde ser identificado pelo cadastro do motorista junto à empresa precedido de uma rigorosa avaliação. Outro elemento, a onerosidade, advém, para eles, do pagamento pelas corridas feitas (percentual de 70% a 80%, segundo a decisão). Já a não eventualidade foi reconhecida em razão da prestação de serviços de forma não transitória e inserida na rotina da empresa.
Por fim, foi reconhecida a subordinação que, sem dúvida, é o fator decisivo para se definir se um trabalhador é autônomo ou empregado. A UBER alegou na ação que seus motoristas não são empregados, mas profissionais independentes que podem escolher o dia e horário que vão trabalhar; que podem aceitar ou não corridas. Afirmou que não há nenhum tipo de supervisão do trabalho do motorista e que seu modelo de negócio não pode ser enquadrado como serviço de transporte, mas como uma empresa de tecnologia que intermedeia o contato entre os usuários e os motoristas autônomos.
O ministro Godinho, porém, destacou em seu voto que o oferecimento de serviços por meio de plataformas digitais como a UBER representa, na verdade, uma nova forma de arregimentar e dirigir a prestação de serviços de terceiros e que para garantir um serviço adequado ao consumidor, a empresa fiscaliza a forma em que ele é realizado.
Apontou, assim, a existência da chamada subordinação algorítmica, efetivada, segundo ele, por “intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial”. Ressaltou que, como consequência desta subordinação, o motorista pode sofrer sanções disciplinares (como a exclusão do app, por exemplo) que podem decorrer de falta de assiduidade na conexão e notas ruins atribuídas por passageiros.
Por fim, concluiu que, na ausência de leis próprias para regular as novas formas de trabalho frutos da revolução tecnológica, cabe ao judiciário conformá-las às normas já existentes.
A decisão representa um precedente inédito no TST, já que a 04ª e 05ª turmas têm negado o vínculo de emprego entre motoristas e a UBER. Em razão desta controvérsia, a questão pode ser levada à Seção Especializada em Dissídios Individuais, órgão do tribunal competente para a uniformização da jurisprudência trabalhista no País.
Enquanto isso, alguns projetos de lei (PL 3748/2020 e PL 4172/20) que prevêem regulamentação específica sobre os trabalhos destes profissionais seguem em trâmite no Congresso.
Até que sejam aprovados, porém, a sensação de precarização do trabalho nestes setores continuará. No mês passado foi divulgado um relatório pelo Fairwork Brasil em que foram avaliadas as condições de trabalho relativas à prestação de serviços para as principais plataformas digitais que operam no país (UBER, 99, IFOOD, Rappi, Getninjas).
No estudo foram analisados critérios como remuneração, segurança, jornada, representação dos trabalhadores, dentre outros. Praticamente todas as plataformas avaliadas receberam notas baixas, segundo estes quesitos.
O Fairwork é um projeto liderado pela Universidade de Oxford que prega, de acordo com seus termos, “trabalho decente na economia de plataformas”.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial
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