A câmara dos deputados aprovou na última semana projeto de lei que estabelece punições mais rigorosas para diversos tipos de golpes realizados pela internet e por meio do uso de redes sociais (substitutivo ao PL 4229/15).
Dentre eles estão os já mais que conhecidos golpes de clonagem de chips para a subtração de dinheiro. Para este crime, o projeto prevê uma pena de 4 a 8 anos que poderá ser aumentada se a vítima for idosa ou tiver alguma vulnerabilidade.
É importante que o legislativo se ocupe desta questão que afeta toda a sociedade, mas aumentar a pena não parece ser a medida eficaz. Aliás, entre os especialistas em Direito Penal, há quase um consenso de que penas mais rigorosas não diminuem a criminalidade.
Quais medidas seriam então eficazes para que o Brasil deixe de ser um verdadeiro paraíso dos golpes na internet?
Uma delas, já apontada em alguns textos desta coluna, seria uma maior responsabilização das empresas de tecnologia exigindo-se delas a adoção de medidas de segurança mais efetivas. Há algumas maneiras de se fazer isto.
Uma delas é a criação de leis específicas que, de alguma forma, foquem no próprio modelo de negócios das chamadas big techs. Em alguns países, esta regulação já existe.
A cooperação entre governos e empresas que já vem ocorrendo para alguns temas, como o combate a desinformação é outra via importante.
Por fim, cabe ao judiciário atentar-se para as peculiaridades do ambiente digital, revigorando sua interpretação sobre a aplicação da responsabilidade civil a estes temas.
Ganhou destaque nesta semana, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou o Facebook a indenizar um usuário do WhatsApp que teve seu chip clonado. Em seguida, os golpistas conseguiram dinheiro de alguns contatos de sua agenda.
O autor da ação pediu uma indenização pelos danos morais sofridos. Como de costume, o Facebook, em sua defesa, alegou que a responsabilidade pelo ocorrido era dos fraudadores e do usuário que não tomou as medidas de segurança necessárias, dentre elas, a verificação em duas etapas para acesso do WhatsApp.
O juiz de 1ª instância acolheu a tese da empresa e atribuiu ao consumidor a culpa pelo incidente, já que ele não teria ativado esse dispositivo.
Em segunda instância, porém, o entendimento foi diferente. Baseando-se na leitura dos termos de serviços do app, a desembargadora relatora acabou revendo a decisão anterior e julgando procedente o pedido de indenização.
Em seu voto, destacou que a empresa limitou-se a defender a confiabilidade
de seu sistema de segurança e a atribuir a ocorrência da clonagem à inobservância das regras por parte do usuário.
Ela salientou, também, que nos termos do serviço, a confirmação em duas etapas é apresentada como um recurso opcional que adiciona uma camada extra de segurança à conta do WhatsApp.
Por fim, concluiu que cabia à empresa adotar, de forma uniforme e coesa os melhores procedimentos de segurança e defesa da privacidade de seus usuários, o que, todavia, não é feito.
Esta decisão, ainda que proferida no julgamento de um caso individual, é relevante, pois joga luz sobre este importante aspecto relacionado aos diversos golpes aplicados na internet. As empresas de tecnologia estariam transferindo, indevidamente, para o usuário a responsabilidade pela adoção de medidas de segurança.
Tal prática, sem dúvida, contribui, em grande medida, para a proliferação de golpes a que todos estamos sujeitos.
A realização de campanhas para que o usuário tome cuidado com estas fraudes nunca será eficaz se continuar sendo dele a obrigação de adotar medidas para as quais não tem o devido conhecimento técnico.
A má utilização de um serviço pelo consumidor, de fato, exclui a responsabilidade do fornecedor por eventuais danos sofridos. A interpretação do caso, porém, não deve ser a mesma para o uso de um fogão ou de um aplicativo de mensagens.
A complexidade e a extensão dos termos de serviços e a dificuldade para compreensão das medidas tecnológicas impedem que essa tarefa seja realizada pelo usuário.
Se a alteração dessa situação não vier das próprias empresas caberá ao Estado intervir com a criação de leis eficazes para evitar a ocorrência dos golpes e não somente leis que visem maior punição aos seus autores.
- O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio-fundador do Escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes
- Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br