A Lâmpada Centenária (em inglês, Centennial Bulb) ilumina desde 1901 o quartel do corpo de bombeiros da cidade de Livermore, na Califórnia. Segundo consta, durante todo este período, ela só foi desligada por uma semana. Em razão de sua longevidade e eficiência, passou a figurar no livro dos recordes.
Sua história é pano de fundo para o documentário “Comprar, Jogar Fora, Comprar, História Secreta da Obsolescência Programada”, de 2010, produzido pela TVE da Espanha (em espanhol,“Comprar, Tirar, Comprar, La historia secreta de la Obsolescencia Programada”) que pode ser visto aqui, abaixo.
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Ao impressionante caso da lâmpada centenária é contraposta a saga de um consumidor que, ao tentar consertar uma impressora, acaba descobrindo que o fabricante havia instalado nela um chip que contava o número das impressões realizadas. Atingindo-se determinada quantidade, a máquina parava de funcionar. Só restava, então, ao dono da máquina adquirir outra.
Já outro caso retratado envolve a Apple e o desgaste prematuro da bateria de seu iPod, ainda comercializado na época em que o filme foi produzido. Como a empresa não vendia apenas a bateria, o usuário era obrigado a adquirir um novo aparelho. A prática acabou sendo contestada por meio de uma ação coletiva nos Estados Unidos e acabou terminando em acordo pelo qual a Apple comprometeu-se a prolongar o prazo de garantia do produto.
Após doze anos do documentário, o cenário não é muito diferente e a prática continua gerando seus efeitos, dentre eles, o superendividamento dos consumidores e a produção intensa de lixo eletrônico em uma agressão constante ao meio ambiente.
Em diversos países, legisladores e o judiciário tentam regular e minimizar, ainda que pontualmente, os efeitos da obsolescência programada.
Está em discussão na União Europeia proposta de lei que obriga fabricantes de smartphones a garantirem aos usuários acesso as atualizações de segurança e a componentes como baterias, telas e carcaças por cinco anos após o lançamento dos produtos.
Por aqui, geralmente, prevalecem as normas do Código de Defesa do Consumidor(CDC) relativas a direito de informação, garantia legal e práticas abusivas.
Não há nele, porém, nenhuma previsão explícita acerca da prática da obsolescência programada.
O artigo 4º, por exemplo, exige que os produtos sejam fornecidos com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. O artigo 12 prevê que o fabricante deve responder pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos nos produtos e por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
O problema que sempre se apresenta, entretanto, em relação à obsolescência programada é a distinção entre defeito e vida útil do produto. Não raro, a discussão chega ao judiciário, que precisa encontrar na lei uma interpretação que se adeque ao tema.
Ao pesquisarmos, por exemplo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), encontramos uma decisão do Ministro Luis Felipe Salomão de 2012. Nela, ele defende uma alteração no CDC para que conste expressamente a abusividade da obsolescência programada (REsp 984.106/SC), o que, até então, não ocorreu.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) realizou em 2014, em parceria com a Market Analysis, uma interessante pesquisa sobre o hábito de consumo dos brasileiros e suas percepções relativas ao descarte de produtos. Conclusão: mais da metade dos equipamentos eletrônicos é substituída devido à obsolescência programada.
O estudo apontou que, de todos eles, o celular é o aparelho que tem menor duração e possui um ciclo de vida de, em média, menos de 3 anos e dificilmente ultrapassa cinco anos. Os demais resultados do estudo podem ser acessados no site do órgão.
Parece, enfim, que diante da insuficiência legislativa para tratar da questão e da postura dos fabricantes, resta-nos como consumidores ter maior consciência sobre nossos hábitos de consumo para, de alguma forma, não fomentar esse ciclo vicioso.
E quem tiver interesse em assistir ao vivo ao intenso brilho da Lâmpada Centenária, basta acessar este link. A webcam que capta suas imagens 24 horas por dia já foi trocada três vezes, mas a lâmpada continua lá - acesa há 121 anos.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio-fundador do Escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br
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