Pepsi, Cadê Meu Avião? Com esse título curioso, um documentário da Netflix conta a história de uma batalha jurídica não menos inusitada envolvendo a empresa americana e um consumidor.
O caso ocorreu na década de 1990, época de comerciais de TV clássicos. Dentre as grandes empresas que apostavam em campanhas criativas e agressivas estava a PepsiCo. Mas, ainda assim, a Coca Cola, sua eterna concorrente era a líder de mercado.
A fabricante da Pepsi então, resolveu apostar em um programa de pontos para atrair os consumidores. Tampinhas e rótulos podiam ser trocados por produtos da empresa como bonés, mochilas, jaquetas e outros.
É fácil lembrarmos de promoções como estas por aqui também. O que tornou a campanha da Pepsico histórica, porém, foi a inusitada oferta realizada no fim do comercial exibido para sua divulgação. A possibilidade de se trocar 7 milhões de rótulos por um jato militar, o Harrier.
John Leonard, um estudante universitário com 20 anos na época, conseguiu juntar os pontos e exigiu da empresa a entrega do caça. Em resposta, a empresa recusou seu pedido informando-lhe que estava óbvio que aquela oferta era uma brincadeira.
A disputa foi parar na justiça. O cerne da questão era saber se a oferta poderia ser levada a sério, já que no comercial não havia nenhuma ressalva de que se tratava de uma brincadeira. Caberia, portanto, ao consumidor interpretar o contexto ali apresentado.
Como mostrado no documentário, após o ajuizamento da ação, a Pepsico acabou alterando o comercial para incluir uma mensagem com o tal alerta. O fato foi explorado pelos advogados de John como um reconhecimento de culpa.
Após anos de disputa, a juíza responsável pelo caso acabou dando razão à empresa e destacou em sua decisão que nenhuma pessoa razoavelmente objetiva poderia chegar à conclusão de que o anúncio realmente oferecia aos consumidores um caça de uso militar.
O processo acabou tornando-se um conhecido case (John Leonard vs PepsiCo) discutido em salas de aula dos cursos de direito americanos.
Após assistir o documentário (e após esse spoiler sobre seu final), podemos imaginar como seria a decisão de um tribunal brasileiro no julgamento de um caso semelhante.
A despeito das diferenças entre o direito americano e o nosso, o julgamento do caso aqui também passaria pela análise de como deveria ser interpretada aquela promessa. Para isso, seriam aplicadas as regras relativas à oferta de produtos e serviços e mais precisamente, ao seu efeito vinculante quando se trata de relações de consumo.
É o que prevê o artigo 30 do nosso Código de Defesa do Consumidor:“Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
Com base nesse artigo, poderia, então, o João da Silva, consumidor brasileiro, exigir da Pepsico a troca de tampinhas pelo caça americano?
João da Silva aqui pode ser enquadrado como o homem médio, termo utilizado em direito para representar uma pessoa comum. São as expectativas dela que a oferta de um produto ou serviço deve mirar.
Por isso, exageros e brincadeiras são tolerados. Técnicas chamadas pela doutrina jurídica como dolus bonus ou puffing podem ser utilizadas para exaltar certos produtos e serviços, pois não são suficientes para enganar os consumidores.
Nenhum consumidor poderá processar a fabricante do Red Bull, alegando que o energético não lhe garantiu a possibilidade voar. O pai de uma criança não poderá se negar a pagar pelo sorvete consumido porque seu filho não o considerou o mais saboroso do bairro como estava anunciado.
Ninguém também pode se aproveitar de um evidente erro em um anúncio, para exigir o cumprimento de uma oferta. Foi o que ocorreu no Rio Grande do Sul em 2009, quando um consumidor ajuizou uma ação contra uma agência para garantir a compra de um veículo por um preço irrisório mostrado em um jornal. Seu pedido foi julgado improcedente, pois se tratava de um erro claro de impressão.
Segundo o desembargador que julgou o caso, a literalidade da redação do CDC não se presta ao enriquecimento ilícito e esperteza do consumidor. Destacou, ainda, que boa-fé deve ser seguida tanto pelo fornecedor quanto pelo consumidor.
De outro lado, há certas ofertas que podem, de fato, enganar aqueles que as leem, por serem dúbias ou por lhes faltarem informações essenciais. Não é raro vermos empresas como de telefonia, por exemplo, serem responsabilizadas por propagandas enganosas.
Voltando ao caso da Pepsi, até tendemos a concordar com o entendimento da juíza, mas o caso mostra que, em determinadas situações a interpretação não é simples.
Podemos lembrar um deles ocorrido por aqui, também, envolvendo as Casas Bahia. O comercial com o slogan “quer pagar quanto?” teve que ser retirado do ar pois consumidores estavam comparecendo às lojas e oferecendo R$ 1,00 para levar diversos tipos de produtos.
Enfim, em tempos de compras de Natal, fornecedores e consumidores devem, de fato, ficar atentos às ofertas realizadas.
- O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes
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