A Internet Archive é uma organização sem fins lucrativos americana fundada em 1996 e que se descreve como uma biblioteca online. Oferece para seus usuários, de forma gratuita, acesso a músicas, websites desativados, softwares, filmes e livros.
A disponibilização dos livros se dá pela Open Library, que permite o empréstimo de obras por um determinado período (duas semanas), como se fosse uma biblioteca tradicional, mas que conta com o serviço de empréstimo digital.
Até 2020, cada livro podia ser acessado por um leitor por vez. Diante dos efeitos da pandemia de Covid -19, o site criou a Biblioteca Nacional de Emergência e passou a permitir que vários leitores pegassem emprestado o mesmo livro simultaneamente.
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Qual o melhor hambúrguer do mundo?A regulação dos serviços por aplicativosAfinal, como regular o ambiente digital?De quem é a responsabilidade pelo crédito responsável?Dancinha no TikTok gera indenização trabalhistaUm filtro para os influenciadores digitaisCruzeiro e Fred: um teste para a lei da SAFEm sua defesa, a Internet Archive afirmou que sua prática é legal, pois há um limite temporal do empréstimo e uma proteção contra cópias dos arquivos. Citou também o princípio do uso justo (fair use) contido na lei americana sobre propriedade intelectual. Esse princípio permite o uso, em certas circunstâncias, de obras protegidas sem a autorização do autor. Interesse da sociedade, fins e efeitos da utilização são alguns fatores para sua aplicação.
Na semana passada, o juiz da causa deu razão às editoras. Não identificou no caso a possibilidade de aplicação do uso justo. Além disso, para ele, a Internet Archive produz trabalhos derivados sem autorização. Trabalhos derivados, de acordo com a lei, são adaptações ou alterações em uma obra original. Uma tradução de um livro ou sua adaptação para o cinema são bons exemplos deles.
A ONG já informou que vai apelar da decisão e o entendimento do juiz de 01ª instância pode ser revisto pela justiça americana. Independentemente de seu desfecho, este processo joga luz sobre diversos pontos relativos aos direitos autorais e à propriedade intelectual de modo geral.
Em geral, qualquer debate sobre o tema envolve um conflito entre aqueles que buscam fortalecer as regras já existentes e os que defendem sua flexibilização (há também quem deseje eliminá-las).
A tecnologia, por certo, fomenta ainda mais a discussão. Vide os questionamentos sobre a regulação da inteligência artificial.
Afinal, o que é mais importante? A democratização do conhecimento? O desenvolvimento tecnológico? Ou o reconhecimento do trabalho de um criador?
Eis alguns argumentos contrários à propriedade intelectual. O primeiro é a ausência de escassez dos bens que ela protege. Não há como duas pessoas possuírem um bem corpóreo simultaneamente. Um livro físico, por exemplo. O mesmo não ocorre com bens digitais ou com uma máquina protegida por uma patente. Os críticos da propriedade intelectual a consideram, portanto, um privilégio artificial criado pelo Estado.
Há quem afirme, também, que a livre circulação de certas obras garante uma maior divulgação. É o que ocorre, por exemplo, com as composições musicais. Sua execução sem controle pode representar para alguns artistas a receita do sucesso, rendendo-lhes shows e outros contratos.
Além disso, existe uma certa dificuldade em se identificar uma originalidade plena nas criações intelectuais. No chamado estado da técnica, sempre há o aproveitamento de algo já existente.
Temos ainda, claro, a questão econômica. Os preços dos livros, por exemplo, seriam um obstáculo para seu consumo.
Essas ideias nos fazem refletir sobre o tema, porém não têm a força necessária para convencer os criadores de que seu trabalho não deve ser recompensado, sejam eles representantes de uma grande indústria farmacêutica ou compositores anônimos.
O fundamento que melhor se sobressai para a defesa dos direitos de propriedade intelectual é o incentivo à inovação, como preveem as normas da nossa Constituição que os colocam no rol dos direitos fundamentais (artigo 5º, XXVII, XXVIII e XXIX).
Isso não quer dizer, contudo, que eles podem ser exercidos de qualquer forma. Assim como ocorre com outros tipos de propriedade (imobiliária, por exemplo), seu exercício precisa de limites. E é nessa toada que esses direitos devem ser regulados. Sua negação absoluta não parece ser o melhor caminho.
Nossa lei de direitos autorais (Lei 9610/98) não adota o uso justo (fair use) como nos Estados Unidos, mas prevê limitações aos direitos do autor. Assim, alguns atos que normalmente são protegidos, podem ser praticados sem autorização em certas situações.
Alguns exemplos de utilizações livres são: a realização de citações de uma obra protegida, desde que sua fonte seja mencionada; a utilização de obras como meio de ilustração para fins de ensino e a utilização de obras como informação para a imprensa.
Este temperamento na aplicação das normas pode ser o caminho para conciliar o reconhecimento do esforço e do investimento do autor, artista ou inventor, com o desenvolvimento tecnológico e os interesses da sociedade.
Lembremos que tramita no Congresso, desde 1997, o PL 3968/1997, projeto de lei para a reforma da nossa lei de direitos autorais. É o momento de colocá-lo em pauta.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com