A segunda rodada do Brasileirão foi encerrada na última segunda, 23/04, com a partida entre Botafogo e Bahia, disputada em Salvador.
O time carioca venceu pelo placar de 2x1, mas o confronto chamou mais atenção por outro ingrediente que estará presente em vários jogos desta edição do campeonato: a expectativa sobre a performance dos clubes que aderiram ao modelo da Sociedade Anônima do Futebol, a SAF.
Tanto o alvinegro carioca quanto o tricolor baiano receberam investimentos no ano passado para viabilizarem seus projetos e buscarem uma gestão mais profissional do futebol, acompanhada de um regime de pagamento das dívidas dos clubes.
Ao lado deles estão Cruzeiro, Vasco, América e outras associações que apostaram no modelo previsto pela Lei 14.193 de 2021.
alguns detalhes já foram divulgados por seus gestores e sempre que notícias sobre sua situação financeira são atualizadas, o tema volta à tona.
Outras equipes que disputam a série A estão se preparando para trilharem o mesmo caminho, entre eles o Atlético Mineiro. Embora não haja uma previsão exata para sua implementação, O alvinegro, portanto, está no grupo que se utilizará da SAF para implementar uma gestão empresarial no futebol e rolar suas dívidas. É de se supor, então, que os responsáveis pelo projeto atleticano estejam analisando os erros e acertos dos clubes que saíram na frente.
Um bom exemplo para ser estudado é o do rival Cruzeiro, cuja criação da SAF ocorreu no final de 2021. Se houve erros e acertos em campo, críticas não faltaram à condução do negócio, ao processo de transformação e à gestão de Ronaldo Fenômeno e sua equipe.
É claro que nem todos os percalços passados pela SAF cruzeirense podem ser atribuídos a erros ou escolhas equivocadas dos envolvidos pela transformação do clube. O pioneirismo na adoção do modelo, a urgência imposta por uma situação financeira desesperadora e as dúvidas sobre a nova lei podem explicar o que ocorreu até agora. Todo este contexto deve ser levado em conta.
Comecemos pela aprovação da SAF pelo conselho deliberativo do clube. No caso do Cruzeiro, o projeto foi aprovado sob tensão e com a alegação de que conselheiros não tiveram acesso aos termos da operação. Sua rejeição esteve por um fio.
O ruído na imprensa e os questionamentos sobre a falta de transparência começaram a crescer até que as condições da negociação fossem divulgadas. Para isso, foi quebrada uma cláusula de confidencialidade do memorando de intenções firmado entre o investidor Ronaldo e a gestão anterior do clube.
Todo este cenário pode ser entendido pelo pouco tempo de que se dispunha para a análise do projeto. Ao que tudo indica, o clube estava, de fato, ameaçado de encerrar as atividades caso não se transformasse em SAF. Ficou para muitos a impressão de que houve um aproveitamento daquelas circunstâncias pelo investidor.
Evitar situações como essa passa pela gestão do acesso às informações relativas à operação. A criação de um comitê representativo dos associados ou do conselho pode temperar um potencial conflito entre acesso irrestrito às informações e falta de transparência.
Outro ponto crítico para a adoção da SAF refere-se à escolha prévia do regime de estruturação da dívida. Pela lei, a associação originária pode optar entre o regime centralizado de execução (RCE) e a recuperação judicial ou extrajudicial. O Cruzeiro aderiu inicialmente ao RCE, que deve ser requerido perante a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho. Acabou desistindo dos processos e ingressou com um pedido de recuperação judicial.
Enquanto isso, foram surgindo diversas ações trabalhistas para questionar a responsabilidade da SAF por dívidas anteriores à operação. O questionamento dos credores está ligado também aos problemas de interpretação da lei que institui a SAF. As lacunas e inconsistências de seu texto somente serão solucionadas após uma manifestação dos tribunais superiores e a última palavra sobre várias questões será dada somente pelo STF (Supremo Tribunal Federal)..
Questões polêmicas é o que não faltam. A lei, por exemplo, ao definir que parte das receitas da SAF devem ser repassadas ao clube originário, deixa margem sobre a interpretação do que é receita. Os valores obtidos com a venda de atletas estariam incluídos nela?
Até que surjam as respostas para estes questionamentos, o clube que deseja transformar-se em SAF deverá criar mecanismos para não transferir obrigações da associação para a empresa a ser criada. A descontinuidade dos contratos de trabalho de atletas é um deles. Se a SAF der prosseguimento a qualquer contrato da associação, deverá arcar com suas obrigações.
Por fim, mas não menos importante, está a sinergia com o consumidor da SAF: o torcedor. Como sabemos, a relação entre torcida e clube destaca-se como um caso único em que um consumidor de um produto é desrespeitado, mas continua fiel ao seu fornecedor. Certos episódios da gestão Ronaldo ficaram marcados pela ausência dessa sinergia com o torcedor cruzeirense, como por exemplo, a demissão do ídolo Fábio e a nova identidade do Raposão.
Grande parte dos lucros de uma SAF virá desse mercado consumidor. Cabe à sua gestão buscar formas para conduzir essa paixão de forma empresarial.
O certo é que o Atlético Mineiro terá mais tempo e informações, e poderá analisar melhor todos estes aspectos relativos à constituição de sua SAF.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com