Foi realizada na semana passada a assembleia de credores da recuperação judicial do Cruzeiro. Cerca de nove horas após seu início, o resultado foi divulgado pela imprensa: o plano de recuperação do clube foi aprovado. Ele prevê, entre outras cláusulas, um modelo para o pagamento das dívidas com ex-jogadores e demais funcionários, bancos e fornecedores de serviços.
Os pagamentos poderão durar até 18 anos e serão viabilizados por receitas próprias da associação e pelo auxílio financeiro da SAF. Segundo consta no documento, há uma previsão de que a SAF injete neste período em torno de R$ 682 milhões.
Não há dúvidas de que o plano de reestruturação trará um grande alívio financeiro para a associação e para a SAF, já que uma de suas consequências é a suspensão de cobranças contra as duas pessoas jurídicas.
Este novo cenário também desperta nos torcedores a esperança de que o time volte a ocupar posições de destaque nas competições que disputa.
Entretanto, para que a recuperação judicial seja formalmente concedida falta, ainda, a manifestação da Juíza da 01ª Vara empresarial de Belo Horizonte, onde o processo tramita. A partir daí, o clube estará, de fato, em recuperação judicial e poderá passar a cumprir a proposta aprovada.
Surge então a pergunta: existe a possibilidade do plano não ser homologado integralmente? Para alguns credores, sim. Mesmo vencidos pela maioria na assembleia, eles contestam certas cláusulas do documento.
Uma delas envolve o tratamento diferenciado para os credores trabalhistas e a criação de uma subclasse dentro desse grupo.
A questão é a seguinte. Haverá um pagamento escalonado do crédito trabalhista. Valores de até 150 salários mínimos por credor serão pagos no prazo de três anos, que é o prazo máximo que a lei permite para a quitação de dívida trabalhista na recuperação judicial.
Valores que ultrapassam este teto serão realocados para outra classe e seu pagamento ocorrerá em até 18 anos. Há ainda uma cláusula prevendo que se o clube estiver em dia com os pagamentos, incidirá um desconto de até 75% sobre os valores remanescentes.
Conhecida como bônus de adimplência, ela é geralmente utilizada pelo fisco como prêmio e incentivo para que empresas paguem seus tributos em dia.
Segundo os credores que se sentiram prejudicados, alguns ex-empregados receberão até 100% de seu crédito enquanto outros somente 25%. Além disso, o plano estaria beneficiando aqueles que têm valores menores a receber. Ao que tudo indica, isso ocorrerá, de fato.
Vale registrar que a cláusula foi aprovada porque a contagem dos votos dos credores trabalhistas é feita por cabeça e não pelo valor do crédito. Basta vermos como foi a votação. Dos 512 credores trabalhistas, 259 participaram da assembleia. 72,27% dos presentes votaram a favor do plano. Mas esse percentual corresponde a apenas 38,4% dos créditos.
Ainda que pareça injusta para alguns, este é o sistema que está previsto na lei. Além disso, credores não votam visando um interesse coletivo, mas em busca de garantir o recebimento de seu crédito da melhor forma possível.
A questão que deverá ser analisada pela juíza é se esse tratamento diferenciado é válido, pois em regra, o plano de recuperação judicial deve prever tratamento igualitário para os integrantes de uma mesma classe de credores.
A resposta poderá ser encontrada na análise de casos semelhantes pela jurisprudência. Os tribunais têm admitido esse tratamento diferenciado e a criação de subclasses com condições diferentes de pagamento somente se o plano trouxer um critério objetivo que as justifique.
Já foi considerada válida, por exemplo, a previsão de benefícios a apenas alguns credores de uma mesma classe por serem considerados fornecedores de insumos essenciais ao funcionamento da empresa.
Como visto, o critério para a diferenciação de pagamento dos créditos trabalhistas na recuperação judicial do Cruzeiro é o valor do crédito. A justificativa trazida no plano é a possibilidade de um melhor equacionamento da dívida.
Caso homologado pela justiça, ele poderá valer também para outros clubes que já requereram ou ainda vão requerer sua recuperação judicial.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes.
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com