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123 Milhas: reconhecimento de fraude pode impedir recuperação judicial?

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Está nas mãos da juíza da 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte o pedido de processamento da recuperação judicial da 123 Milhas. A dívida declarada pela empresa é de R$ 2,3 bilhões.

Se o pedido for deferido, as ações e execuções ajuizadas contra a empresa serão suspensas por 180 dias, prazo que pode ser prorrogado.





Como o número de ações vem aumentando de forma exponencial, a plataforma requereu uma medida liminar para que essa suspensão seja concedida antes da análise completa da documentação juntada no processo.

Parte dela ainda será apresentada, mas a empresa já declarou que há contra ela mais de 16 mil ações movidas por pessoas físicas. Segundo informou, só em Belo Horizonte são ajuizadas, em média, quatro ações por hora. 


Em muitas destas ações foram concedidas liminares para que a plataforma fornecesse passagens aos consumidores que não concordaram com o recebimento de vouchers para substituir os pacotes pagos. 


Porém, o simples ajuizamento da ação de recuperação já impedirá o cumprimento dessas liminares. Por enquanto, só resta aos consumidores que se sentirem lesados aguardar as próximas etapas da recuperação. Eles podem ajuizar ações individuais somente para apuração dos valores que têm a receber da empresa.





 

Em resumo, as etapas de uma ação de recuperação judicial são as seguintes: 


Caso a recuperação judicial não seja concedida ou o plano não seja cumprido, será decretada a falência da 123 Milhas.


Vale dizer que todas as etapas citadas somente serão seguidas se o pedido de processamento for deferido. Para tanto, a 123 Milhas deve preencher todos os requisitos exigidos pela lei. Entre eles estão a comprovação de que não pediu outra recuperação recentemente e de que exerce sua atividade regularmente. Deve também apresentar documentos como demonstrações contábeis e balanços que comprovem sua situação de crise financeira. 


Seguidas essas regras, o processo deve prosseguir. Há casos, porém, que mesmo com os requisitos preenchidos, o Judiciário não permite a recuperação. Um deles é quando a empresa tenta usar este processo de forma fraudulenta. 





Desde o anúncio da suspensão da linha promo com tarifas flexíveis, as condutas da 123 Milhas vêm sendo questionadas 


Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, a plataforma causou danos aos consumidores ao anunciar pacotes de baixo custo, ao utilizar marketing agressivo e ao explorar a inexperiência de julgamento dos compradores das passagens.


A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) está contestando as justificativas apresentadas pela empresa e já anunciou que pode instaurar um processo administrativo.


A 123 Milhas também está na mira da CPI das pirâmides financeiras, criada originalmente para investigar esquemas fraudulentos com a utilização de criptomoedas. 





Por fim, foi protocolado na Câmara Federal um requerimento para a criação de uma CPI para investigar irregularidades praticadas pela 123 Milhas e outras empresas do setor.


Para especialistas, o descumprimento das ofertas já era esperado em razão do risco de se adquirir uma promessa de passagem desvinculada de ofertas oficiais das companhias aéreas.  


Muitas dessas passagens ou promessas foram vendidas com valores baixos durante a pandemia, com a expectativa de que, com a retomada da economia, os preços das tarifas caíssem. Não foi o que aconteceu, pois as companhias aéreas também sofreram com a crise sanitária. Além disso, era natural que, após o controle da pandemia, muitos consumidores voltassem a viajar, o que fez com que o valor das tarifas subisse.Ou seja, o modelo não se sustentava.    


A empresa, mesmo sabendo disso, manteve o programa e investiu o dinheiro dos compradores sem prestar o serviço contratado. Não se trata, portanto, de uma inesperada crise econômico-financeira, como alega a 123 Milhas em seu pedido de recuperação judicial. 


A pergunta então é a seguinte: o uso da recuperação judicial pela empresa para postergar o cumprimento dessas obrigações pode ser considerado fraudulento? 


A Justiça Brasileira já reconheceu a utilização abusiva da recuperação judicial, principalmente quando fica evidente que ela é requerida para suspender o curso de ações, execuções e penhoras, para buscar uma blindagem patrimonial ou somente para reduzir ou parcelar dívidas. 





A lei, inclusive, permite que o juiz da recuperação determine uma análise prévia sobre eventuais indícios de fraude.


Recentemente, por exemplo, a Justiça Paulista indeferiu o pedido de processamento da recuperação judicial de um supermercado de Ribeirão Preto. A empresa ajuizou o pedido de recuperação indicando uma dívida de R$135 milhões. Ocorre que o pedido foi feito logo após a inauguração de sua nova loja, cuja construção custou cerca de R$61 milhões. 

Tudo indicava que a empresa havia, de forma premeditada, contratado empréstimos e financiamentos e que, depois de concluída a obra, teria requerido a recuperação judicial para forçar a redução das dívidas e a suspensão de ações e execuções.  Além disso, para sustentar sua alegação de crise financeira, emitiu balanços incorretos.


Por outro lado, não custa lembrar da recuperação judicial da Americanas.  Os bancos Safra e Santander requereram a anulação do processo alegando que o pedido foi baseado em uma fraude conhecida pelos executivos da empresa. A tese deles, porém, não foi acolhida e o processo vem tramitando normalmente.





Caberá, portanto, à Justiça Mineira a análise de uma possível fraude no caso da 123 Milhas. Não é possível ainda saber até que ponto as investigações feitas por outros órgãos podem contribuir para essa decisão. 


Se o pedido de processamento da recuperação for indeferido, ações e execuções que foram suspensas poderão ser retomadas, mas poderemos ter outro desfecho para a empresa, a falência. 

 

*O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes 

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com