De acordo com uma pesquisa do Serasa de agosto deste ano, o número de pedidos de recuperação judicial aumentou no país 59,6% em relação ao mesmo período do ano passado.
Os dados confirmam uma percepção do mercado e do público em geral trazida por casos envolvendo grandes empresas como Americanas, 123 milhas, Oi e Light. Além, é claro, das recuperações judiciais pedidas pelos clubes de futebol.
Outro ponto relevante da pesquisa é que a maioria dos pedidos envolve pequenas empresas. Este resultado pode ser considerado natural se levarmos em conta que elas representam a grande maioria dos empreendimentos no país. Ocorre que, até um passado recente, as microempresas e empresas de pequeno porte não se valiam da recuperação judicial provavelmente pela complexidade e pelos custos deste processo.
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Os motivos para essa crise podem ser variados. Aumento da inadimplência no país, juros altos, desaceleração da economia e má-gestão estão entre eles.
Vale citar também outro aspecto relevante. Vivemos uma tendência de expansão do acesso à recuperação judicial.
Alguém que possui muitas dívidas pode valer-se da recuperação judicial para buscar uma reestruturação de seu passivo. Se ela não for viável, a falência poderá ser decretada e o pagamento dos credores ocorrerá de forma forçada, seguindo uma ordem de preferência legal. Tanto a recuperação quanto a falência são processos coletivos alternativos ao processo de execução individual.
De acordo com a nossa lei de recuperação e falência (11.101/05), somente empresários ou sociedades empresárias podem requerer uma recuperação judicial ou ter a falência decretada.
Historicamente, a definição de empresário pela lei é um tanto quanto problemática. Na prática do dia a dia, podemos resumi-la como pessoas físicas ou jurídicas que exercem uma atividade com fins lucrativos e que se registram na junta comercial. Associações, fundações e profissionais liberais estão excluídas deste conceito.
Contudo, temos hoje uma relativização desta restrição legal. Novas leis e o judiciário têm permitido que pessoas jurídicas não enquadradas como empresárias ingressem com pedidos de recuperação.
Há um entendimento que elas desempenham atividade econômica relevante e que, com base no princípio da preservação da empresa, podem ser equiparadas a empresários.
A lei que instituiu a SAF, por exemplo, permitiu que clubes de futebol, enquadrados como Sociedade Anônima do Futebol ou mesmo como associações, solicitem a recuperação judicial.
Já os tribunais têm aceitado requerimentos feitos por instituições de ensino, hospitais e outros entes com relevância econômica e social.
Um dos primeiros casos foi o da Universidade Cândido Mendes. Seu pedido de processamento de recuperação judicial, deferido em 2020, abriu caminho para que outras instituições semelhantes também buscassem o judiciário para tentar uma reestruturação.
Porém, esse posicionamento da Justiça ainda não é pacífico. Recentemente, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o processamento da recuperação judicial de um hospital, constituído como associação civil. De forma contrária, a mesma câmara do tribunal entendeu que é possível estender a recuperação às associações.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem a competência para analisar recursos relativos ao tema, ainda não criou um precedente a ser seguido pelos demais tribunais.
No Congresso há projetos de lei prevendo a alteração da própria lei de recuperação judicial criando, com isso, um regime único. Muitos especialistas em Direito Empresarial também defendem essa ideia. Outros preferem manter a distinção legal. Dentre outros argumentos, afirmam que, no final de 2020, houve uma reforma geral da lei e que o legislador preferiu não estender o regime de insolvência previsto nela a agentes não classificados como empresários.
Vale dizer que em outros países o concurso de credores é tratado de forma unitária. Basta que alguém esteja em situação de insolvência para que requeira a recuperação judicial, ou seja declarado falido. É o caso dos Estados Unidos, cuja legislação serviu de inspiração para a elaboração da nossa lei.
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes e do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia.
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com