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Estado de Minas Direito Simples Assim

Nova geopolítica do Brasil com o governo Lula

Com erros e acertos em sua política externa o Brasil segue o ditado: um olho no peixe e outro no gato na busca de seu lugar ao sol no cenário internacional.


26/04/2023 08:34 - atualizado 26/04/2023 13:49

Presidente Lula e a primeira Dama Janja Lula sendo recebidos após descerem do avião da FAB pelo cordão de militares de Portugal
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira Dama, Janja Lula desembarcam em Portugal - Foto Ricardo Sturckert-PR (foto: Carta Capital -21/04/2023)
 
 
Nosso texto de hoje é de autoria de  Vinicius Ayala

A geopolítica pode ser definida como o enfoque de estudos das relações internacionais que leva em conta a geografia, história e cultura de um povo para determinar como este se posiciona nas questões internacionais. 

Também devemos levar em conta que a atuação de qualquer país está subordinada às regras internacionais definidas pelo Direito Internacional que delimitam a atuação dos agentes.                                                          
Ainda é certo que, apesar da multiplicidade que um país possa ter em seu interior, pode-se dizer que, sem sombra de dúvida, todo país busca alcançar seu interesse próprio na arena internacional. Desta forma, para ser mais claro, um país não se difere de uma pessoa comum quando vai buscar seus próprios interesses, fazendo todo o necessário para alcançá-los 

O Brasil neste contexto internacional esteve ausente das grandes agendas durante o governo Bolsonaro. Limitou-se a um alinhamento automático com o governo do presidente Trump e outros governos de viés de extrema-direita pelo mundo. Nos fóruns multilaterais que discutiam temas como meio ambiente, mudança climática e proteção dos direitos humanos a ausência foi mais sentida ainda. Na verdade, pode-se dizer que praticamente a agenda interna foi preponderante em vista da agenda internacional.

Contudo, este contexto mudou com a chegada do Presidente Lula ao poder em 2023. Com a intenção de resgatar o protagonismo perdido nos últimos anos, o Brasil está buscando voltar ao jogo com uma intensa agenda de viagens internacionais. Neste sentido, o presente texto pretende de forma sucinta, analisar a agenda internacional com vistas a lançar luz sobre as intenções geopolíticas do Brasil para os próximos anos.

Pela análise das visitas feitas pelo presidente Lula e suas pautas e declarações busca-se delinear os parâmetros da política externa nos próximos anos. 

A primeira visita internacional do presidente, como se mostrou uma tradição em seus mandatos anteriores, foi para Argentina. A Argentina é um grande parceiro comercial do Brasil e joga um papel fundamental nas pretensões de consolidação do País na liderança na América do Sul. Nada mais natural que a visita consolide esta posição, sinalizando uma orientação da política externa para a importância de solidificação do sul global. Isto significa que o papel do Brasil é ainda maior quando fala em nome de outros países em desenvolvimento. Assim, espera-se muitas outras visitas a países da América do Sul e África na busca desta consolidação da liderança no eixo sul do planeta.

Em fevereiro Lula visitou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A reunião aconteceu em Washington e foi marcada por discursos de união e cooperação entre os dois líderes. Durante o encontro, Lula e Biden discutiram sobre a necessidade de renovar as relações entre os dois países. 

Biden destacou a importância da parceria entre as duas nações para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e da recuperação econômica mundial. O presidente brasileiro defendeu o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos em sua fala, reforçando a importância da inclusão social e do combate às desigualdades. Ele também destacou a necessidade de ações conjuntas para combater o crime organizado e o tráfico de drogas, discussão sobre o comércio entre Brasil e Estados Unidos. Defendeu o aumento do investimento americano no país e ressaltou a importância do fortalecimento da cooperação comercial entre os dois países.

A visita aos Estados Unidos, apesar de tratar de vários temas, pode-se dizer que focou na reiteração dos valores democráticos e ambiental dos direitos humanos. Nada mais natural, dado o peso do Brasil na América Latina e os recentes acontecimentos ocorridos no Brasil relacionados a tortuosa eleição brasileira, bem como as denúncias sobre violações ambientais e de direitos humanos feitos pela sociedade internacional no governo Bolsonaro. 

Outro tema que foi tratado referiu-se à proposta de criar um grupo de países para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia. 

Segundo Lula, um grupo de países neutros poderia avançar com a proposta de paz. A principal análise a ser feita sobre a visita, é que o Brasil está de volta ao cenário internacional. A mensagem mais clara é que compromissos com o meio ambiente e democracia, colocados em xeque no governo Bolsonaro, passam agora a ser centrais para o Brasil nesta nova fase.

Continuando a agenda internacional movimentada, o presidente Lula embarcou em uma viagem oficial à China com o objetivo de fortalecer as relações entre os dois países com a busca de alternativas para impulsionar a economia brasileira. Durante sua estadia, foram assinados diversos acordos bilaterais entre Brasil e China em áreas como comércio, tecnologia, agronegócio e energia. 

Desde que Lula deixou o poder em 2010, a relação entre Brasil e China tem sido fundamental para a economia brasileira. A China é o principal parceiro comercial do Brasil, com as exportações deste representando cerca de 30% do total do país. Com uma comitiva muito maior e mais compromissos agendados, ficou patente o papel que a China joga para as pretensões econômicas brasileiras em comparação à visita do presidente aos EUA.

O momento da visita do presidente Lula à China coincide com um acirramento das relações Estados Unidos e China, as duas maiores economias do planeta.
 
A mensagem de Lula foi clara: O Brasil e o mundo necessitam da China para mudar a governança global. Em suas palavras, os organismos internacionais como Banco Mundial e FMI não se sustentam mais em um mundo multipolar. Até a ONU deve refletir esta nova busca de maior representação dos países. 

Nesse sentido, Lula defendeu novas instituições no modelo multipolar do Banco do Brics, que hoje é presidido pela ex-presidente Dilma. Inclusive, talvez a afirmação que teve mais repercussão foi a que sugeriu a substituição do dólar como moeda de troca internacional pelo uso das moedas de cada país.  Mesmo que no curto prazo seja impossível a troca do dólar, a simples sinalização de que os Brics pudessem estar interessados nesta mudança já provocou uma grande repercussão, dado o peso destes países no cenário mundial.

Outra repercussão nas falas do presidente durante a visita foi a afirmação de que a União Europeia e principalmente os Estados Unidos, ao invés de buscarem a paz, estariam incentivando a guerra. As declarações produziram reações fortes tanto da União Europeia quanto dos Estados Unidos. 

Em síntese, o Brasil vê a China como parceiro estratégico não só no comércio, mas como fundamental para a mudança da nova ordem mundial multipolar. Importante salientar que o Brasil foi muito criticado sobre a sua ambiguidade na postura com a guerra da Ucrânia. 
 
A falta de condenação expressa à invasão russa e declarações como a do presidente Lula - que mencionou que a culpa era dos dois países -  não caíram bem para Estados Unidos e União Europeia. Ainda mais com a visita do chanceler russo recentemente ao Brasil, e a insistência do presidente Lula em não condenar a Rússia, insinuando que a Ucrânia deveria abrir mão de parte do seu território para buscar a paz, geraram mais críticas.
 
Foi providencial a viagem feita a Portugal e Espanha esta semana para sinalizar moderação no discurso e não se afastar também de um bom relacionamento com União Europeia. Depois principalmente do puxão de orelha de Lula feito por Biden sobre a posição do Brasil quanto à guerra, era necessário adequar o discurso para não perder os planos do Brasil de mediar o conflito. 

Após todas estas viagens e declarações, como podemos entender o que o Brasil buscará em política externa nos próximos anos, já que à primeira vista, sua posição pareça titubeante e ambígua?  

A primeira coisa a se entender é que o Brasil tem o que chamamos de soft power, ou seja, não somos um país que possui força militar capaz de impor nossa força no cenário internacional. Ao contrário, temos um poder de influência mais brando e ligado a outros tipos de persuasão. 

No caso brasileiro, o poder está relacionado a um relativo peso econômico internacional, histórico de paz com outros países, riquezas minerais e de alimentos, meio ambiente, tamanho da população, entre outros. Naturalmente estes fatores nos levam a um certo protagonismo internacional.

Contudo, o poder brasileiro é maior no cenário internacional quando estamos juntos com outros países que podem ser menores que o nosso ou do mesmo tamanho. Por isso, a aposta de fortalecer o Brics, que é o grupo de países emergentes, que por projeções serão as maiores economias do mundo, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

No que tange à política internacional, o Brasil terá que ter muito cuidado, pois vivemos um momento de acirramento das tensões entre China e EUA. Era inevitável que as disputas geopolíticas entre os dois países eclodissem em algum momento, dada a ameaça que a China representa aos EUA.

Com a guerra na Ucrânia, a situação piorou com a aproximação russa e chinesa. A Rússia, ex-superpotência que tem armamento para destruir o planeta, alia-se à China, nova superpotência com poder bélico e poder econômico. 

O Brasil equilibra-se na tênue linha que divide o velho e o novo.  A velha ordem ainda existe com a força bélica e econômica americana que, somadas a um alinhamento natural dos europeus, mostra-se ainda muito efetiva. Contudo, no horizonte, surge uma nova ordem em que o papel chinês é inquestionável e que já começa a angariar aliados contra a velha ordem.
 
Ora, para o Brasil e o mundo é fundamental que a nova ordem seja multipolar. Só assim teremos a relevância que procuramos. Contudo, até que as coisas estejam mais claras, o Brasil terá que ficar com um olho no peixe e o outro no gato, pois assim poderemos usufruir de um bom relacionamento com o velho e o novo. Manter uma posição equilibrada que, inclusive é uma prática arraigada na diplomacia brasileira, é o melhor caminho para buscarmos nossos interesses na arena global. 

Ainda que certo desgaste seja uma consequência no caminho das relações do Brasil com o mundo, é um alento ver que retornamos ao jogo internacional, de onde nunca deveríamos ter saído. 

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