Recentemente tivemos notícias sensacionais do mundo do direito e da política, dado que foi possível ver um verdadeiro festival de “tela azul” da torcida organizada “Político de Estimação Futebol Clube”. E por que esse festival de gente bugada com as “novidades” do momento?
Em um espaço curto de tempo (porque no Brasil há qualquer coisa, menos tédio) tivemos vários acontecimentos diferentes, mas o que eu quero dar atenção primeiro é sobre o projeto de lei criminal (porque esse dá um ibope danado!)
O caso veio do Governo Federal, que soltou um projeto para criminalizar atos de violência pública e institucional. Chamaram a atenção a proposta de transformar atos criminosos em escolas em crimes hediondos e a previsão de pena máxima de até 40 anos para crimes contra autoridades que representam os Poderes da República.
Foi bonito ver a galera da esquerda defendendo pena máxima e crime hediondo!
Se você pegar o histórico, essas são das pautas mais combatidas pela esquerda brasileira, denunciando os abusos dos excessos da legislação penal e suas penas simbólicas. Além disso, a lei dos crimes hediondos sempre foi criticada pelas alas mais progressistas. Para as crianças, que ainda não estavam na sala na época dos acontecimentos, era chama de “lei hedionda”.
Daí, num súbito looping cognitivo, a pena máxima passou a ser justificada e a lei dos crimes hediondos passou a ser pertinente. E não é qualquer pena máxima meu consagrado, é a maior pena já prevista na legislação brasileira! O máximo que a gente tem (até hoje e por enquanto) são 30 anos, aplicáveis a delitos como homicídio qualificado, latrocínio e extorsão mediante sequestro com resultado morte.
Ou seja, o projeto só é equiparável à alteração do tempo máximo de cumprimento de pena oriundo do projeto de lei do então Ministro Sérgio Moro, que culminou no pacote anticrime e promoveu um aumento do cumprimento máximo de pena de 30 para 40 anos. Ou seja, é uma forma completamente paradoxal e peculiar de dizer que o Sérgio Moro estava certo quando propôs a alteração dos limites das penas (e olha que ele estava ridiculamente errado).
E para tornar tudo ainda mais surrealista, tivemos a oportunidade de presenciar a galera da direita criticando a pena máxima e os crimes hediondos. Foi bonito também!
Sim... essa mesma direita que sempre defendeu aumento de penas, ampliação dos crimes hediondos e aumento de rigor do cumprimento de penas para fazer frente a esta criminalidade desenfreada que existe neste país. Daí, em um looping para o lado oposto, esse povo estava preocupado com rigorismo penal, excessos do Estado e Direitos Humanos!
Parêntesis: quem diria que a galera da direita ia virar o povinho dos Direitos Humanos. A terra plana capota mesmo...
Voltando: Este é daqueles momentos em que percebemos a existência de um padrão de pensamento que, na cabeça dos acadêmicos que enxergam o mundo só pela janela dos seus gabinetes, já estaria superado há muito tempo. Entretanto, apesar de muito superado no fantástico mundo acadêmico de Bobby, na realidade nunca esteve tão forte.
E este padrão tem nome: chama pensamento lombrosiano. Cesare Lombroso foi um estudioso italiano que escreveu dois importantes livros para a História do Direito Penal e da política criminal: “O homem delinquente” e “A mulher delinquente” (isso lá pelos finais do sec. XIX).
O nível de catástrofe que esses livros promovem é algo que eu não consigo encontrar muitos parâmetros, mas vamos lá... Esse senhor, cheio de boas intenções (como vastamente semeadas no inferno de acordo com os ensinamentos dos mais velhos), queria descobrir um padrão para identificar criminosos.
Qual a brilhante ideia ele teve? Ora, criminosos nós encontramos nas cadeias. Então vamos lá buscar um padrão! E ele encontrou um padrão extremamente fixo, com pouquíssimas variações: o homem delinquente é preto, analfabeto e oriundo de ambientes sociais e familiares não tradicionais. A mulher delinquente é preta, analfabeta, com pouco recato sexual e desfiliada das obrigações matrimoniais típicas.
O erro metodológico de Lombroso foi pesquisar não os criminosos, mas quem ia preso na Itália do final do sec. XIX. Sacou a diferença? Ser preso é uma coisa. Ser criminoso é outra.
Entretanto, até isso ser esclarecido o estrago já estava feito. E feito de uma forma tão profunda que fez Eugênio Raúl Zaffaroni se perguntar como Lombroso conseguiu ter sucesso em Salvador (que é a cidade mais preta do mundo fora do continente Africano)!
E desde então passamos por políticas criminais de encarceramento em massa (e de forma preventiva, ou seja, sem crime cometido!!!) contra os “criminosos” que são criminosos por serem quem são e não pelo que fizeram. Isso tem nome: chama direito penal de autor, que significa a criminalização de pessoas pelo que elas são e não pelo que fizeram.
Mesmo com tanto tempo denunciando o absurdo dessa premissa, você já deve ter percebido que Lombroso foi mais eficiente do que todo mundo junto, pois o que o Lombroso pinta como criminoso nato (nascido) porque atávico (menos evoluído) continua sendo a população que povoa o sistema carcerário.
Ainda acreditamos que não estudar leva à maior aproximação com a criminalidade; vivemos tempos em que as condutas sexuais “desviantes” são reputadas como fatores criminógenos; organizações familiares “atípicas” são tidas como prejudiciais para a sociedade e etc. Vivemos com pleno vigor a criminalização das pessoas pelo que elas são e não pelo que fizeram.
Entretanto, agora tem um tempero adicional. Pretende-se institucionalizar na lei o lombrosianismo! Vemos cada lado dessa torcida (por vezes delirante) fazendo uma leitura da realidade completamente compassiva quando lhe interessa e brutalmente feroz quando “atenta” contra si. E o mais louco de tudo é não perceber esse descolamento da realidade!
Vi pessoas que se manifestaram entendendo serem absurdas as medidas de criminalização contra os atos de 08/01/2023 e, ao mesmo tempo, queriam a criminalização da conduta de professores por suas manifestações. Vi pessoas reclamando do absurdo de medidas autoritárias do governo anterior, com o uso da máquina contra opositores, e, ao mesmo tempo, aplaudir propostas legislativas de criminalização genérica do “bolsonarismo” (sabe-se lá como delimitar um negócio desses).
Ou seja, é um clássico exemplo de delírio! Esse termo é técnico e significa uma fuga do juízo de realidade, uma crença falsa, onde a pessoa acredita de forma irrefutável em uma ideia impossível.
E eu, como em um “Alienista jurídico” fico de cá achando que está todo mundo errado e desconfiando gravemente que é possível que o maluco seja eu mesmo! Para me defender, me alenta que há muitos anos já nos alertava Millôr Fernandes que “democracia é quando eu mando em você e ditadura é quando você manda em mim”.