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Estado de Minas DIREITO SIMPLES ASSIM

Porque a Polícia dever ser a principal defensora da legalização das drogas

Os debates sobre a decisão do STF reacendem um paradoxo incompreensível da postura dos membros das forças de segurança pública.


23/08/2023 06:00 - atualizado 23/08/2023 08:16
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Policiais militares fardados, em fila lateral, na frente de viaturas.
A Polícia precisa ser agente de reflexão da própria profissão e da sociedade. (foto: PMMG)
Depois de um período desengonçadamente grande vácuo e um silêncio absolutamente injustificável, estou cá de volta com a missão de mostrar que tudo é mais complicado do que parece e que a torcida de futebol política e jurídica dessas terras simplificam o que não era de simplificar. E considerando que houve tanta coisa que dava para abordar, eu tive que escolher uma e fui pela menos óbvia (pelo menos aparentemente).

 

Daí que recentemente os debates sobre drogas voltaram para a pauta, junto com a torrencial de maluquices que fazem parte da vida tupiniquim. E como eu gosto de deixar o meu algoritmo biruta por pura diversão,  acompanho absolutamente todo mundo e leio a mesma notícia umas 10 vezes em locais diferentes só para ver as formas de abordagem e perceber como a gente torce mais e pensa menos.

 

Pois vamos lá... Do que eu estou falando agora: o STF já formou maioria para concluir que usar drogas é autolesão e, por isso, é inconstitucional criminalizar esta conduta. Essa é a parte que você já sabe e não me interessa te convencer que não faz o menor sentido não ser crime arrancar o próprio braço e ser crime queimar o próprio pulmão.

 

O ponto aqui a tratar é como a classe policial em geral trata este tema. A galera ficou revoltadíssima com a decisão do STF e se inflamou com aquele já conhecido discurso de que “virou bagunça”, “vai ser a festa do traficante”, “vai abrir porta para outras drogas” e etc. Pois bem, apenas por experimentação social comecei a interagir com essas pessoas com o seguinte questionamento:

 

1. O ser humano sempre se drogou e não vai ser uma lei que vai fazê-lo parar de se drogar;

 

2. O ilícito torna a droga cara e de difícil acesso, o que aumenta o poder dos traficantes;

 

3. A polícia prende 1 e aparecem 2 no lugar. E se prender 2 aparecem 4. A progressão é sempre geométrica;

 

4. O policial real (o da ponta, do “chão da fábrica”) sabe que ele enxuga gelo todos os dias, pois não tem fim, dado que a eliminação da oferta só torna a demanda maior, mais cara e mais interessante para o tráfico;

 

5. Esse ciclo coloca cada um dos policiais em risco todos os dias na rua, se expondo para morrer por algo que é inevitável;

 

6. A guerra às drogas é uma guerra que usa a força bruta e não usa o cérebro, o que custa a vida de inúmeros policiais todos os anos. Trabalhadores da segurança pública, pais de família, cidadãos honestos, são punidos com a morte todos os anos porque  nos recusamos a pensar e começar a agir com inteligência e não com a bile;

 

7. Se a Polícia deixasse de gastar toda a sua energia com essa busca inútil por traficantes, teria mais gente, mais tempo, mais energia e mais dinheiro para salvaguardar a sociedade do que importa, que são nossas vidas, nossa liberdade de ir e vir, nossa integridade física (principalmente das nossas mulheres, crianças e idosos) e outras coisas que simplesmente são deixadas de lado porque não dá para fazer tudo e tudo é deixado de lado por causa das drogas;

 

8. Sem o financiamento do tráfico ilícito, a fábula de dinheiro que os traficantes ganham para comprar armas e implantar o terror na nossa sociedade vai desnutrir e a força deles vai minguar.

 

Curiosamente, não tive muitas respostas negativas. Os policiais da ponta sabem do que  estou falando e concordam com isso, basta serem confrontados com estes dados óbvios. Quem não vive de discurso e coloca o peito na reta todos os dias sabe que é, no mínimo, um jeito burro demais de expor a vida, considerando que é um esforço inútil.

 

Agora o mais surreal de tudo isso é entender que a Polícia (aparentemente sem querer e sem entender) faz todo o trabalho de propaganda que o traficante precisa e não pode fazer! Pensa o seguinte: parece intuitivo que se a Polícia está de um lado, o criminoso está do outro. Esse é o raciocínio mais lógico e mais óbvio que a gente é levado a construir a vida toda.

 

Afinal, a Polícia atua contra os criminosos. Logo, possuem interesses opostos.

 

Seguindo este raciocínio, o que é “bom” para um necessariamente há de ser “ruim” para o outro. Se o criminoso está feliz, a Polícia está triste. E se a Polícia está feliz, o criminoso está triste. Parece infantil, eu sei, mas a ideia é essa: mostrar como isso tudo é infantil demais para não ter caído a ficha ainda.

 

Entretanto, neste caso, a ilegalidade da droga é o paraíso do traficante. A pessoa que menos deseja a liberalização (ou qualquer flexibilização) das drogas é exatamente o traficante. Liberar significa colocar à descoberto, trazer para a vida regular, viabilizar a existência de múltiplos agentes de mercado, venda na internet, concorrência com as grandes redes varejistas e de drogarias.

 

Sim, meu consagrado! Drogarias são lojas de vender drogas! E você já viu alguém com um fuzil na mão na porta de uma delas para garantir a segurança do ponto? Não! E olha que lá tem droga cuja dose custa mais de R$ 10.000,00 e tem droga que gente viciada compra para satisfazer a adição.

 

Mesmo assim você não vê o dono da maior rede de drogarias fuzilar a drogaria concorrente para garantir a área “x” ou “z”. Além disso, junto com as drogarias legalizadas existem os remédios falsificados e a venda ilegal de remédios , mesmo assim, a maioria das pessoas prefere ir ao ponto legal de drogas para comprar suas substâncias psicoativas.

 

Por fim, de regra, os efeitos colaterais da venda desmedida de drogas (o Brasil é campeão mundial) são sentidos exclusivamente pelos usuários e tratados nos serviços de saúde.

 

Ou seja, tudo isso acontece sem qualquer interferência da Polícia ou do Poder Judiciário. E, obviamente, o lucro é contabilizado, tributado, gera empregos e contribui para fazer essa engrenagem imensa funcionar minimamente sob a luz.

 

Você acredita de verdade que o traficante quer isso? É claro que não! O tráfico hoje é o sistema de mercado no seu aspecto mais cruel. É o local onde, diante da inexistência de regras e regulamentação, vigora a força bruta.

 

Vende quem mata o concorrente; vende quem monopoliza o mercado; vende quem é capaz de corromper agentes do Estado (desde a entrada no território, armazenamento, transporte, distribuição, etc); vende quem impõe mais medo; só vende quem se dispõe a matar para vender. Ou seja, a proibição gera toda a violência decorrente do tráfico e não a violência decorrente do tráfico leva à sua proibição!

 

Tudo isso vai ruir (junto com o poder dos traficantes) quando o cidadão de classe média puder ir à luz do dia na drogaria da esquina comprar o seu psicoativo (como ele já faz com outros). Traficante não vende Diazepam não é porque não dá lucro, mas porque tem na farmácia da esquina. Se você não acredita, dá uma olhada nos lucros da indústria farmacêutica!

 

E mesmo diante de todo esse cenário, o que a nossa Polícia faz??? Vai se manifestar pela manutenção da proibição e de todo o sistema como está! Pior, pede-se ainda mais rigor na guerra às drogas. Ou seja, a Polícia pede que a droga fique cada vez mais cara, mais rara e mais atrativa para vultosos investimentos daqueles que estão dispostos a matar esses mesmos policiais que querem esse sistema exatamente assim.

 

Em resumo, nesse assunto, a Polícia está de mãos dadas com a criminalidade, pedindo que o tráfico tenha cada vez mais poder, que as organizações criminosas sejam cada vez mais impérios de dinheiro e capacidade bélica, para que possam sair às ruas na busca infantil de evitar o inevitável e morrer por isso. Faz algum sentido para você?

 

E sabe o que é mais surreal? Com essa postura, a Polícia faz com que a população em geral imagine que a criminalidade queira a legalização das drogas (já que o criminoso está do lado oposto da polícia, lembra?) e, por isso, se sinta influenciada a ser contra também. A Polícia aqui é o marketing perfeito para a criminalidade e o pior de tudo: recebendo a própria morte como pagamento.

 

Talvez se os nossos policiais pararem para pensar um pouquinho só, isso fique claro. Melhor ainda se pensarem um tanto mais em si mesmos, nas suas famílias e no que representam para a sociedade e para as instituições do Estado, perceberão que podem ser muito mais e fazer muito mais por todos nós. As forças de segurança têm nas mãos a oportunidade de destruir, senão toda, a maior parte do poder que se estrutura cada vez mais para matar e destruir a própria Polícia.

 

Só que para isso é preciso descer da arquibancada e começar a trabalhar com dados, com fatos e com a razão. 

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