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Estado de Minas DIREITO SIMPLES ASSIM

O STF revogou a proibição do show do Léo Lins e somos obrigados a concordar

Recentemente, o Min. André Mendonça cassou uma decisão do TJSP que impedia a veiculação de um show de Léo Lins que veiculava material ofensivo contra minorias


04/10/2023 07:12
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Léo Lins usou fita tampando a boca e algemas para protestar contra censura
Léo Lins usou fita tampando a boca e algemas para protestar contra censura (foto: Divulgação)

O ano era 1992, estávamos vivendo, incrivelmente, o primeiro mandato de Presidente da República eleito em mais de duas décadas. A Constituição era uma “criança” de apenas 4 anos e ainda fervilhavam as dúvidas e acertos com o novo arranjo constitucional, completamente destoante do sistema anterior.

Infelizmente, a primeira experiência democrática em anos não andava bem. O Governo Collor se mostrava um desastre econômico e político. Um jovem artista lança então uma música com o nome “hoje eu tô feliz, matei o presidente”, com estrofes explícitas do tipo: “queria tirar uma foto quando o sangue espirrou, pra mostrar pros meus filhos! Que lindo pô!” e “então eu vi o pessoal numa pelada diferente, jogando futebol com a cabeça do presidente”.

O jovem artista, então conhecido como “Gabriel, o Pensador”, fez um clipe musical e esta produção foi censurada pelo Estado. Tratava-se de exaltação e festividade explícita em relação à hipótese de homicídio do Presidente da República em exercício (nominalmente citado). A repercussão foi relevante, inclusive em razão das novas disposições constitucionais sobre a matéria, e a medida foi revogada algum tempo depois.

Gerou resposta e rechaço porque se tratava de censura. Logo depois, o próprio artista escreveu: “Gabriel o Pensador o homem que eles amam odiar; Agora voltou para Hm Hm tentar falar; Isso é se ninguém quiser me censurar me calar; (Manera rapaz; Da última vez eles te tiraram do ar)”. Além das discussões teóricas sobre os limites que a então nova Constituição trazia para a liberdade de expressão, a situação ainda projetou o artista nacionalmente.

Poucos anos depois, em 1997, uma banda underground do Rio de Janeiro fazia um show amador no Distrito Federal divulgando o disco lançado em 1995 com o sugestivo título de “usuário”. A banda, de sugestivo nome “Planet Hemp”, depois de cantar músicas também com sugestivos nomes como “Não compre, plante!”, “Legalize já”, “Mary Jane” e “Fazendo a sua cabeça”, foi presa antes mesmo de descer do palco.

Sobre o tema, a manifestação da banda era expressa na sua própria produção: “Tabaco ou maconha pergunte ao médico qual faz mal; E então pergunte ao deputado porque é ilegal; Não faço apologia às drogas e nem quero fazer; Faça o que você quer e o que te dá prazer; E os que te censuram você manda se f****”. Assim como no caso anterior, o episódio rendeu reconhecimento nacional da banda, com projeção do seu trabalho e de muitos outros posteriores, tornando-se verdadeiros embaixadores do discurso pró-legalização da maconha.

Você pode estar se perguntando: o que isso tem com relação ao Léo Lins? Talvez alguns mais exaltados possam estar se questionando que “uma coisa é uma e outra coisa é outra coisa”, visto que as manifestações do Léo Lins não se direcionam ao Estado e sim a pessoas (vulneráveis, diga-se de passagem). 
Pois bem, tem relação por um fato importante e que exige a nossa atenção. A discussão sobre as decisões judiciais incidentes sobre as produções do Léo Lins também tem a mesma resposta das anteriores. O artista se apresenta das redes sociais com uma foto em que está com a boca “amordaçada”, em nítida referência à censura. O resultado: seu nome passou a ser conhecido nacionalmente e, na última vez que olhei, tinha mais 3 milhões de pessoas o seguindo apenas nas redes sociais.

Perceberam o movimento que quis mostrar? Bater de frente, com a força do Estado, contra ideias tem um único efeito: projetá-las. Se a ideia é sufocar, a tendência é sempre o movimento oposto, com a sua franca ampliação. Isso significa que, a pretexto de combater discursos que seriam ilegais, o Estado, por meio do Ministério Público e do Judiciário, acaba por fazer promoção gratuita do seu conteúdo, fazendo com que ganhe alcance que jamais teria em outras circunstâncias.

E os exemplos citados são propositais, para te mostrar que não há lado aqui. O Léo Lins ficou famoso por defender pautas alocadas (como se o mundo vivesse em caixinhas) no quadrado da extrema-direita. O Planet Hemp, por outro lado, está em um quadrado (também na simplificação das caixinhas) mais alinhado com a extrema-esquerda. Independentemente do quadrado, o resultado foi o mesmo.

Dizendo de outro modo: usar a máquina do Estado para limitar ideias só é possível para quem defende Estados com estruturas governamentais do tipo do Talibã, onde tudo é resolvido com alguma facilidade: fuzila-se toda e qualquer pessoa que ousar pensar fora da linha estabelecida pelo governo. Nestes locais, não há qualquer pudor democrático ou tentativa de ocultar a realidade que se aplica; ou você pensa e age como o governo quer ou vai morrer fuzilado à luz do dia e em praça pública.

Se você não está interessado em um modelo de governo assim (e eu espero muito mesmo que você não esteja, porque vai que é o seu oponente que assuma o poder), essa medida é ingênua ou só burra mesmo. Na verdade, assim como o Planet Hemp, o Léo Lins tem muito a agradecer ao Estado por sua censura. A medida estatal os alçou ao patamar de celebridade que talvez jamais alcançariam de outra forma.

E agora alguém deve estar se perguntando: mas Hudson, você já viu o que ele diz? Uma pessoa pode ter direito de dizer o que ele diz?
Aí entramos em outra questão e, neste ponto, importa a decisão do STF. Vi muita gente dizendo que a decisão do STF foi do Ministro André Mendonça, que foi indicado de Bolsonaro, que é conservador e só por isso concedeu a medida. Discordo desse entendimento e concordo com o Ministro.

Tomei a liberdade de ler a decisão e o que se diz lá é muito claro: não cabe ao Estado (incluindo aí o Judiciário) promover a censura prévia de qualquer tipo de conteúdo ou manifestação. A Constituição é explícita neste tema e não deixa margem para dúvida: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

O que a Constituição estabelece é um regime de responsabilidades. É como dizer: faça o que você quiser, se manifeste como bem entender e arque com as consequências das suas manifestações. Ou seja, não se pode proibir alguém de falar nada.

Entretanto, é possível punir alguém por lesar a terceiros com o que fala, o que somente é possível saber depois de exercido o direito de manifestação. É por isso que o combate às fake news deve ocorrer no âmbito político e educacional e não proibindo a sua veiculação. Uma vez veiculada, deve-se punir os responsáveis, nos estritos termos do que autorizado na Constituição.

Percebe a diferença? Essa diferença é importante. E é importante exatamente porque a gente não quer um governo nível Talibã (eu ainda estou acreditando nesta premissa, não me decepcionem por favor) e, portanto, ninguém tem direito de fuzilar o outro. Também por este motivo, em algum momento pode ser que aquele que me incomoda esteja (bem) representado no poder e eu não quero ser fuzilado.

Voltando ao caso, que as pessoas lesadas pelas manifestações do Léo Lins o acionem para reparar os danos que lhes foram causados e que ele seja punido pelo que fez e pelos danos que causou. Isso é completamente diferente de impedi-lo de se manifestar.

É preciso não ser tentado (e é tentador) a se valer de medidas autoritárias contra atos absurdos, exatamente por causa do absurdo. A História (sem ela) nos conta que a partir de um precedente, podemos pensar em outros, em outros, talvez outros menos explícitos, quem sabe algo semelhante... e quando menos percebemos, há todo um sistema de censura estatal implantado.

A liberdade de expressão serve exatamente para garantir a liberdade daquilo que nos desagrada e incomoda e não para criar balizas do que é “certo” a ser feito. Neste contexto, analisando o conteúdo que foi objeto da decisão judicial, não consegui ter outro sentimento senão a repulsa.

É repugnante que haja alguém que seja capaz de se divertir com o escárnio alheio. O Léo Lins é um coitado, provavelmente fruto de uma geração inteira criada sem qualquer senso de brasilidade, completamente emburrecida da nossa realidade, alienada das perversidades que constituíram a base da nossa sociedade e crente de que a Barra da Tijuca replica a realidade do mundo.

É triste ver que alguém possa pensar e produzir algo que, de forma deliberada, fere a dignidade do outro e, em uma infantilidade que nem os alunos da 1ª série têm, se diverte com aquilo que lhe é diferente. Seu alvo: gays, negros, deficientes, etc. Tudo que ele não é, evidenciando que ainda tem dificuldade de sair da primeira infância, quando se fica perturbado com tudo que não reflete narciso.

Mas muito pior do que tudo isso é perceber que esse conteúdo tem mais 3 milhões de seguidores somente nas redes sociais. Seguindo, se divertindo e reverberando essas manifestações. Partindo dessa premissa, é ingenuidade ou ignorância achar que impedir o Léo Lins de se manifestar vai calar essa horda de pessoas de pensamento tacanho e civilidade questionável?
Essa pergunta me fez lembrar a manifestação de Osias Wurman, Cônsul de Israel no Brasil, quando questionado sobre a decisão judicial que proibira a circulação no país do livro Mein Kampf de Adolf Hitler. Na oportunidade, o Cônsul disse que poderia parecer contraintuitivo, mas era plenamente a favor da divulgação do livro, com o objetivo de acabar com a ignorância do mundo sobre o que ocorreu contra os judeus e os males do nazismo – inclusive para o próprio povo alemão.

Veja como a proposta inverte o jogo: ao invés de usar da força para proibir, vamos colocar na mesa? Vamos confrontar com argumentos aqueles que consomem este tipo de conteúdo. Vamos educar as nossas crianças para pensar sobre este tipo de ato e como podemos ser educados para a civilidade ou para a barbárie e que isso é uma opção.

O Léo Lins não nasceu com todos esses pensamentos grotescos. Ele aprendeu tudo isso e o ambiente que o ensinou continua aí. Antes de pensar em combater levianamente as consequências, seria muito mais inteligente combater as causas; discutir porque nunca tivemos um debate sério sobre racismo no Brasil; discutir porque as pessoas no geral (e não o Léo Lins) têm tanta dificuldade de incluir com pessoas com deficiência; pesquisar porque há tanta liberdade para concluir que um grupo tem direito sobre os corpos de outros grupos e a recíproca não é verdadeira.

Da forma como está posto, o único fruto que seremos capazes de colher é aquele que vai alimentar o monstro. As consequências todo mundo conhece.

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