Jornal Estado de Minas
COLUNA

Festa merecida para os velhos e novos corações atleticanos

Eu ainda era um menino de pés bem pequeninos naquele distante 1971, quando ouvi o alvoroço e a voz de uma de minhas irmãs queridas. Ela corria pela casa, os cabelos longos flutuando, e bradava uma frase que 50 anos depois se tornaria um meme de animação sonora e festiva entre os atleticanos:
- O Galo ganhou! O Galo ganhou! Campeão brasileiro! Campeão brasileiro!

Numa inquietude vulcânica, tratou logo de deixar o Bairro Santa Efigênia, na Zona Leste de Belo Horizonte, rumo à Praça Sete, onde um mar de alvinegros se reuniria para comemorar o título.

É a ela, uma de minhas seis irmãs, numa família que se completava com seis homens, fraternamente pulverizada entre alvinegros e cruzeirenses, que venho pra contar. Faz um tempo que a Goretti partiu pra outro plano, mas haverá de me ouvir:

- Goretti, o Galo ganhou! O Galo ganhou! O Galo é campeão brasileiro de novo! Reúna a turma aí pra espalhar a notícia. Chame nosso irmão, o Cecé, e diga que a paixão febril de cortar a BR-381, de Ipatinga ao Mineirão, não foi esquecida. Fale com a Tia Iaiá que as orações dela, com o terço entrelaçado às mãos durante os jogos junto ao radinho, serviram pra abençoar o Galo que ela venerou. Ao Zé, que forjou uma legião de primos atleticanos, descreva como a cidade simplesmente não dormiu.



É nestes atleticanos em especial, nos que se foram, como a Goretti, o Cecé, a Tia Iaiá, o primo Zé, como também em figuras como Seu Enyr, pai do meu amigo Beto, que penso num momento que é como um réveillon para todos os torcedores. Esses, como milhares de milhares de milhares, ajudaram a propagar uma cultura de amor pela camisa, a tornando imortal.

Posso então dizer a eles:
- Sabem o instante em que Dario sobe pra cabecear a bola do título no 19 de dezembro de 1971, aos 16 minutos do segundo tempo, e que parecia ter se congelado, ter travado naquele ponto da imagem? Podem apertar o play e acelerar o vídeo, porque 2021 veio pra bater o bumbo do novo delírio alvinegro.

Mal comparando, é como se a geração da velha guarda tivesse se livrado da sina de encarnar no futebol o personagem de Bill Murray no filme "Feitiço do Tempo" (1993), condenado a viver repetidamente as cenas de um mesmo dia.

Agora bicampeão brasileiro, esse atleticano se sente o dono dos ponteiros do relógio.
Digo dos veteranos, porque os novos não carregaram esse peso, campeões da Libertadores (2013), Copa do Brasil e Recopa Sul-Americana (2014).

E onde mora o segredo deste Brasileiro de 2021? Acima de tudo, no equilíbrio. Poucas vezes o Atlético teve à disposição um time que tão bem traduzisse esse conceito de homogeneidade. Agradeçam por isso especialmente a Cuca, o técnico que herdou da equipe de Sampaoli uma espinha dorsal boa, mas instável, ganhou mais algumas peças-chave, e que soube dar o exato tempero para que a segurança que sobrasse no ataque não faltasse no meio-campo ou na defesa.

Mérito, claro, também de uma diretoria que cuidou de fazer as escolhas certas e de um grupo de jogadores que brilhou no plano individual e no coletivo na maior parte da campanha e, mesmo quando isso não ocorreu, ficou longe de qualquer desequilíbrio. E ponto para a torcida quando o recuo da pandemia permitiu que abraçasse o time de perto. Ela, como sempre, foi um combustível extra de esperança e apoio. Agora, merecidamente festeja.

Então, Goretti, Cecé, Tia Iaiá, Zé, Seu Enyr, que simbolizam uma legião gigantesca, façam o carnaval alvinegro onde quer que estejam. O Galo ganhou! O Galo é bicampeão brasileiro!
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