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Estado de Minas OS EFEITOS DRAMÁTICOS DA PANDEMIA

COVID-19: Desemprego, desalento e luto

O brasileiro debruça-se sobre a esperança de que governadores e prefeitos lutem, diuturnamente, contra a institucionalização da banalização do mal


23/03/2021 06:00 - atualizado 23/03/2021 07:56

Funcionário com roupa de proteção contra o coronavírus caminha por cemitério de Manaus (AM)(foto: MICHAEL DANTAS / AFP)
Funcionário com roupa de proteção contra o coronavírus caminha por cemitério de Manaus (AM) (foto: MICHAEL DANTAS / AFP)

 

Em 20 de março de 2020, tive a última reunião presencial com minha equipe de coordenadores para discutirmos os estudos que faríamos e que poderiam subsidiar o governo do estado de Minas Gerais no combate à pandemia da COVID-19.

Após essa reunião, recolhi alguns materiais da minha sala e de lá saí com uma única certeza: não voltaria tão cedo. Entrei no meu carro e escolhi escutar Paixão Segundo Matheus, de Johann Sebastian Bach, pois naquele momento já me encontrava em meio a forte sentimento de luto.

Na véspera, o prefeito da cidade havia decretado o primeiro fechamento das atividades não essenciais e as ruas estavam completamente desertas, o tempo estava nublado e aquela atmosfera fez-me lembrar o impactante filme japonês de animação, A viagem de Chihiro. Eu me vi no caminhar de Chihiro, curiosa e assustada, em meio a uma cidade deserta e assombrada.

Mais uma vez, na última semana, quando o governador de Minas Gerais decretou onda roxa em todo o estado, o cenário de cidade deserta voltou a fazer parte da realidade vivida há um ano atrás. 

 

A grande diferença do deserto de 2020 para os dias de hoje pode ser vista no aumento das placas de “aluga-se” estampada nas portas de inúmeros estabelecimentos comerciais, nos novos moradores de rua e pedintes de sinal, na miséria que há muito não fazia mais parte de nosso cenário diário.

E essa realidade pode ser vista também através da última divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que indicou que, o contingente de pessoas desempregadas passou de 11,6 milhões de pessoas em fins de 2019, período pré-pandemia, para 13,9 milhões em 2020 - taxa de desemprego de 13,9%.

No comparativo entre homens e mulheres revela-se grande disparidade no mercado de trabalho: os homens atingiram taxa de desocupação de 11,9%, e as mulheres, de 16,4%, no final de 2020. 

 

Vivemos uma realidade bem distante de economias onde a qualidade da mão de obra, bem como das atividades econômicas sejam capazes de migrar para um formato de trabalho remoto. Adicionalmente, nesse contexto, mulheres e crianças têm sido as maiores vítimas de situação de desalento, vulnerabilidade e adoecimento, para além da Covid-19.

 

Os desafios econômicos da pandemia trouxeram a reboque disparidades e fragilidades sociais do atendimento à população mais vulnerável. Na grande maioria do país, cerca de 70% das crianças e jovens encontram-se há mais de um ano sem aula presencial, e a possibilidade de aulas remotas tornou-se um privilégio dos 30% que estudam em escolas particulares.

Ainda é cedo para se estimar, mas é certo que se criou uma lacuna de aprendizado onde crianças em fase de alfabetização e jovens do ensino médio são as maiores vítimas. Tudo isso sem adentrarmos na discussão do custo emocional da ausência de socialização que tem sido imposto para crianças e jovens em geral. 

 

O início do segundo ano de vigência da pandemia tem escancarado também nossa dificuldade de contê-la: embora os Estados Unidos contabilizem o maior número de óbitos até o momento (541 mil mortes), seguido pelo Brasil (292,7 mil mortes), aquele país vem apresentando queda vertiginosa em suas estatísticas: nas últimas duas semanas, reduziu em 32% o número de notificações e em 11%, o número de óbitos, enquanto, no Brasil verificou-se aumento de 53% no número de óbitos

 

O país entrou em luto há um ano e, ao contrário dos processos clássicos de vivência e superação exigidos em situação como essa, o brasileiro debruça-se sobre a esperança de que governadores e prefeitos lutem, diuturnamente, contra a institucionalização da banalização do mal.

Junto ao luto tem-se a necessidade de isolamento social. Thomas Merton, monge trapista que se isolou no deserto em busca da contemplação e da oração, escreveu inúmeros livros sobre o desafio dessa jornada espiritual. Em Na liberdade da solidão, um dos livros mais difíceis que já li, Merton traz a reflexão sobre o que é verdadeiramente a solidão e o sentido de se vivê-la. Nesse encontro com a solidão podemos experimentar a fraqueza e a potência. 

 

Aumento das conexões acadêmicas e profissionais em geral, das rupturas de maneiras tradicionais de trabalho e de relacionamento entre as pessoas podem ser considerados ganhos que o momento do luto nem sempre nos permite perceber.

A expansão da vacinação trará mais clareza, seja para enfrentarmos os problemas sociais que vêm se agravando no país desde 2015, seja para revelar potencialidades e formas novas de construções e arranjos sociais. Tudo isso só será possível mediante processo estruturado de combate à pandemia. Até o presente momento, ficamos com o luto e a luta pela liberdade na solidão.

 

 

 

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