Jornal Estado de Minas

CONSUMO

Os perigos por trás dos resultados das pesquisas de percepção



Os indivíduos tomam decisões racionais que buscam maximizar sua satisfação (escolhas/utilidade) mediante (i) restrições orçamentárias e (ii) combinação de oferta e preço de bens e serviços. Essa é uma afirmativa clássica que está por detrás de extenso arcabouço teórico aplicado aos estudos de microeconomia do consumidor, e se estende a outras vertentes, tais como a economia da saúde, o mercado de trabalho, as finanças, dentre outras.





Uma “nova” e crescente linha teórica dentro das ciências econômicas, a chamada economia comportamental, vem ganhando espaço ao incorporar elementos experimentais à construção clássica.

Em 2002, o economista Vernon Smith dividiu o prêmio Nobel de Economia com Daniel Kahneman, que, embora psicólogo e matemático de formação, é teórico e grande colaborador da economia comportamental. Engrossando esse coro, em 2017, Richard Thaler é o laureado com o Nobel de Economia devido às suas contribuições à economia comportamental e a seu pioneirismo ao estabelecer componente irracional na tomada de decisão dos indivíduos. 

Elementos experimentais seriam, de forma simplista, a percepção subjetiva que os indivíduos dão às suas escolhas, partindo de pontos de referência diferentes e que acabam culminando em preferências distintas. Por exemplo, o ponto de referência denominado ambiente, considerado aqui como o local onde o indivíduo reside, pode provocar diferentes escolhas entre indivíduos com mesmos atributos individuais. 



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Dois aspectos subjetivos que também ilustram o ponto de referência são “o efeito dotação” e a “aversão à perda”. O primeiro diz respeito à diferença entre o preço, do lado da demanda, que os indivíduos estão dispostos a pagar por um bem ou serviço e, do lado da oferta, o valor pelo qual os indivíduos estão dispostos a vendê-lo. 

Escolhas e inferências estão cada vez mais refletidas em pesquisas e indicadores sintéticos sobre percepções dos indivíduos em relação a algum tema específico. No que diz respeito às percepções sobre economia, tanto do lado do empresariado quanto dos consumidores, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e suas respectivas federações, dentre elas a do estado de Minas Gerais (FIEMG) realizam periodicamente várias pesquisas dessa natureza.

Na semana passada, o Ibre-FGV divulgou os mais recentes resultados de seus “indicadores de sentimento: confiança e incerteza”; são indicadores sintéticos que buscam medir a percepção do empresariado e do consumidor, traduzida como confiança ou não, em relação à economia. 





Em fevereiro de 2021, os resultados, tanto da confiança na situação atual quanto nas expectativas futuras, apontaram persistência da queda por parte do empresariado e de estabilização, por parte dos consumidores. Do lado dos empresários, a percepção é de que a atividade econômica do primeiro trimestre de 2021 está comprometida com a falta de vacinas. Do lado dos consumidores, embora os sinais tenham sido menos pessimistas, o nível geral de confiança - tanto em relação à situação atual quanto às expectativas - está muito baixo, só perdendo, setorialmente, para a percepção dos empresários do setor Serviços. 

Regionalmente, em Minas Gerais, o Índice de Confiança do Empresariado Industrial (Icei) calculado pela Fiemg, apontou, em fevereiro, a terceira queda consecutiva. No entanto, é importante frisar que essas quedas não chegaram a romper os 50 pontos, o que significa ainda certo grau de otimismo em relação aos próximos seis meses. 

Ainda nessa semana, a Edelman, agência internacional de comunicação, divulgou seu 21º Edelman Trust Barometer, pesquisa de sondagem on-line realizada com 28 países, entre 19 de outubro e 18 de novembro de 2020, contando com a colaboração de 1.150 entrevistados por país, entre 24 e 65 anos e com nível superior de escolaridade. Os resultados nacional e global da pesquisa encontram-se em seu site. 





Dos resultados extraídos do 21º Edelman Trust Barometer destacam-se:

1) no Brasil e no mundo, as empresas são as únicas instituições em que os indivíduos ainda confiam, ficando acima das Organizações não governamentais (ONGs), com grau neutro de confiança, e mídias e governos, com grau de desconfiança nessa ordem, no caso do Brasil. No resultado global, mídia e governo invertem suas posições e encontram-se, assim como as ONGs, em nível neutro de confiança;

2) a população brasileira está entre as que perderam os maiores níveis de confiança, caindo 15 pontos em relação a 2020, enquanto 65% dos entrevistados declararam elevado medo de perderem seu trabalho;

3) a sociedade depositava maior confiança na comunidade cientifica e muito pouco nos líderes de governo (sendo este último, o grupo que mais caiu);

4) E 68% acreditavam que os dirigentes de empresas deveriam ocupar os espaços em que os governos não estão atuando eficientemente, tanto no Brasil quanto nos demais países. 

O que todos os resultados elencados carregam em comum? Percepções e expectativas subjetivas dos indivíduos sobre noções de economia e bem-estar das sociedades. Empresários menos otimistas vão exercer o comportamento da aversão à perda, e consumidores inseguros adotarão, sempre que possível, o efeito dotação e buscarão valorizar seus ativos e protegerem-se da adversidade imposta.

Um último resultado extraído do barômetro de confiança da Edelman mostra que somente 70% entre os mais bem-informados pretendem tomar vacina neste ano, contra 59% dos considerados mal informados (indivíduos que se influenciam por notícias não confiáveis). Cada vez mais, descrença e desconfiança podem aprofundar o descompasso entre racionalidade e tomada de decisão individual, agravando os perigos apresentados pelo vácuo da condução orquestrada da maior crise sanitária já vivenciada pelo país. 




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