Jornal Estado de Minas

ESPERANÇA DE VIDA

Os efeitos silenciosos da pandemia



Para além das estatísticas diárias de casos e mortes por COVID-19, a pandemia tem trazido inúmeros efeitos silenciosos. Um deles é a redução da esperança de vida ao nascer. Essa variável estima o número médio de anos de vida que um recém-nascido deve atingir, considerando-se a estrutura de mortalidade prevalecente no seu local de nascimento.





Estudo recente realizado pelo pesquisador e técnico da Fundação João Pinheiro (FJP), Olinto Nogueira, indica que devido à COVID-19, a população de Minas Gerais reduziu, no ano de 2020, em cerca de seis meses a esperança de vida de sua população, resultando em perda de aproximadamente 20% de tudo que se tinha avançado nos últimos 10 anos. 

Outro estudo da mesma natureza (Reduction in the 2020 life expectancy in Brazil after covid), realizado por um grupo de demógrafos brasileiros e estrangeiros, ainda sob revisão, aponta cenário ainda mais pessimista: em 2020, no Brasil, a esperança de vida ao nascer declinou em 1,94 ano com o advento da COVID-19.

Os autores também estimam um cenário alternativo, buscando corrigir parcialmente os registros de subnotificação da doença, e assim incluem, junto às estatísticas de óbitos por COVID-19, 90% dos óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave sem teste laboratorial (SARS-1). Nesse cenário que busca ser mais realista, o impacto sobre a esperança de vida é bem mais acentuado e promove redução de 2,52 anos sobre a expectativa de vida. 





Assim como no estudo da FJP, os autores estimam perda expressiva: redução de 25% dos ganhos de esperança de vida alcançados nos últimos 20 anos, chegando a 36% para o cenário que inclui as mortes por SARS-1. 

Podemos argumentar, inicialmente, que essa perda é transitória, pois em breve a população estará mais imune. Lamentavelmente, não é o que estamos vivendo. O Brasil vem se mantendo líder em mortes diárias por COVID-19, na direção contrária à tendência global de controle do vírus. Não é de se estranhar que, nesse contexto, a atividade econômica não consiga engrenar, a pobreza e a vulnerabilidade social se agravem e o Sistema Único de Saúde (SUS), agora com corte orçamentário, imponha desdobramentos mais graves sobre a assistência à saúde de parcela expressiva da população.

Algo tão silencioso quanto à redução da expectativa de vida são as mortes do capital humano. Para além das perdas afetivas, o país tem perdido conhecimento. As vidas que se vão levam consigo o saber, a cultura, as vivências práticas e expertises que não necessariamente tiveram tempo de serem transmitidas.  Junto ao leito de morte, enterra-se também o capital humano.





Outro perda silenciosa é a capacidade de crianças e jovens adquirirem conhecimento e se desenvolverem cognitivamente. Se a esperança de vida ao nascer reduziu em, no mínimo, 25% dos ganhos de vida média adquiridos nos últimos 20 anos, o que se dirá da educação das crianças e jovens que se encontram há quase um ano e meio no ensino remoto e que, em sua maioria, não estão conseguindo aprender? Esse universo representa praticamente 70% da população em idade escolar do país.

Embora a Carta Magna promulgue a laicidade do Estado, o slogan atual do Governo Federal e suas práticas correlatas tentam ignorá-la. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve que se reunir para decidir se cultos e missas poderiam voltar a acontecer presencialmente

Beira o absurdo ministros da Suprema Corte terem que dispender seu tempo com discussão dessa natureza, enquanto mantém-se o silêncio ensurdecedor no Ministério da Educação sobre ações que possam mitigar a ausência de tecnologia e de outros recursos que garantam o aprendizado de crianças e jovens. Que o silêncio quebrado, também pelo STF, para investigar a condução da pandemia se transforme em voz uníssona na casa que legisla pelos rumos dessa sociedade.




audima