Sou mãe canceriana de um casal, para completar a sorte de poder ser mãe! A corujice, a preocupação, os cuidados, a dedicação e o amor chegam a ser excessivos em alguns momentos. Seguramente, meus tantos anos de psicanálise serviram para não permitir que meu amor castrasse meus filhos, mas não necessariamente os eximiu das culpas transferidas pela falas de uma mãe em seus rompantes de loucura – não tão infrequentes, por sinal!
A figura paterna provedora e a materna zeladora, no estilo “bonita, recatada e do lar” já caíram por terra! As mães são, em número cada vez maior, mulheres chefes de família, trabalham jornadas integrais que se estendem nos cuidados com a casa e os filhos, tudo em modo contínuo que parece não ter fim.
A maternidade, quando vivida na prática, e não aquela terceirizada para babás, tias e avós é ato de muita luta, mas também de renúncias. E muitas das vezes, as mães não são capazes de sustentar essas renúncias e expõem seus filhos, a depender da intensidade, ao risco de suas próprias vidas. Só para ficar na ficção, sugiro a leitura do livro Canção de ninar, de Leila Slimani, com a narrativa de uma situação muito real vivenciada nos tempos atuais.
Viver juntos? é o título de uma palestra proferida por Contardo Calligaris, em que ele descreve as renúncias que a vida a dois nos impõem e que muitas vezes tornam-se insuportáveis para seguirmos adiante com quem havíamos escolhido viver em um tempo onde parecia que os desejos se convergiam, ou que seriam compensados por uma demanda de amor atendida pelo outro. Em determinado momento dessa palestra, Calligaris relata a depressão vivida por sua mãe, configurando, claramente, o adoecimento pelas renúncias que foram para além do casamento e culminaram com o nascimento dos filhos e a maternidade.
Dentre as renúncias que os laços afetivos nos impõem, a escolha pela maternidade talvez seja a mais perigosa. Digo isso pensando em duas questões: primeira, que renunciar aos desejos para além da realização da maternidade pode ser um ato de desonestidade consigo mesma. É possível compatibilizar a criação dos filhos com outras realizações, mesmo que se mantenha algum grau mínimo de renúncia.
A segunda é que as mães são capazes de se nutrir da maternidade com atos narcísicos e buscar o “melhor” para seus filhos limitando-os em seus desejos; afinal, se as mães fizeram tantas renúncias para tê-los, nada mais justo do que serem recompensadas, dentro de uma lógica egoísta e de culpa. Nesse sentido, reafirmo a prática da renúncia desonesta. Na verdade, o maior perigo da maternidade é o medo de quem a escolheu não realizar seus tantos outros desejos e assim os filhos tornarem-se verdadeiros escudos protetores de suas renúncias.
A segunda é que as mães são capazes de se nutrir da maternidade com atos narcísicos e buscar o “melhor” para seus filhos limitando-os em seus desejos; afinal, se as mães fizeram tantas renúncias para tê-los, nada mais justo do que serem recompensadas, dentro de uma lógica egoísta e de culpa. Nesse sentido, reafirmo a prática da renúncia desonesta. Na verdade, o maior perigo da maternidade é o medo de quem a escolheu não realizar seus tantos outros desejos e assim os filhos tornarem-se verdadeiros escudos protetores de suas renúncias.
Para vivermos com plenitude a maternidade, precisamos fazer de nossas renúncias desafios contínuos de equilíbrio entre escolhas, aceitação e amor. Assumirmos que as renúncias foram escolhas, apaziguarmos com o que damos conta de fazer e acreditarmos que nossos filhos também fazem renúncias por nós, mas não permitirmos que as renúncias deles sacrifiquem seus desejos mais primitivos. Esse é, a meu ver, o grande desafio da maternidade.
Ouso afirmar que tenho o privilégio de ter uma mãe, uma irmã, muitas amigas, primas, colegas de trabalho, (ex)cunhadas e enteada que escolheram conciliar e viver o constante equilíbrio instável entre maternidade, trabalho, casa(mentos) e outros tantos desejos e vêm seguindo com maestria suas renúncias e escolhas.
Olho retrospectivamente e vejo que as renúncias que fiz pela maternidade valeram a pena. Nesse olhar, me garanto em pequenos e marcantes sinais que a vida me traz. Certa vez minha filha caçula viajou e me trouxe de presente uma placa de madeira com os seguintes dizeres: “os dois maiores presentes que podemos dar aos filhos são raízes e asas”. Com pouco mais de 9 anos, minha filha parecia saber de quais renúncias a maternidade não poderia recair sobre ela. Essa placa encontra-se, atualmente, fixada na minha cabeceira.
Um feliz, honesto e corajoso dia das mães para esse universo maravilhoso de mulheres que ousaram pela maternidade!