Para além do risco de contágio e morte pelo coronavírus, há um adoecimento social em curso no país. Ainda estamos longe de “fecharmos um diagnóstico” sobre sequelas que a pandemia deixará, mas restrinjo-me às crianças e jovens, que provavelmente carregarão por mais tempo efeitos psíquicos e cognitivos decorrentes do afastamento social vivenciado em ambientes nem sempre acolhedores conjugados à ausência das aulas presenciais e ao convívio diário com colegas e amigos.
Em artigo publicado na última sexta-feira, 21/5, no jornal Valor Econômico, Naércio Menezes Filho mostra como a contração da atividade econômica tem impactado mais severamente as pessoas menos qualificadas, tanto no setor serviços, como na indústria e no comércio, enquanto pessoas mais qualificadas já se encontram em níveis de emprego próximos aos verificados na fase pré-pandemia. Níveis maiores de desemprego para pessoas menos escolarizadas revelam a formação de novo perfil do mercado de trabalho que deve trazer consigo sérias implicações socioeconômicas.
Intensificação do comércio eletrônico, dos pedidos de comida por aplicativos, da simplificação e automatização das atividades domésticas são alguns exemplos de novos hábitos e dinâmicas econômicas que afetam mais incisivamente pessoas menos qualificadas que se alocavam, sobretudo, em atividades às quais a pandemia vem castigando. O crescimento do comércio eletrônico, promovido pelas classes de renda mais elevada, tem gerado ganhos “inesperados” de arrecadação tributária e reduzido o espaço de atuação da informalidade, na qual se abriga parte da mão de obra menos qualificada com sérias dificuldades de reinserção no mercado laboral. E a nova dinâmica social não parece que trará o retorno ao “antigo normal” com o pós-pandemia.
A vacina está chegando no Brasil, em ritmo lento, mas só deve estar disponível para todos elegíveis no último trimestre de 2021. Os maiores estados do país, São Paulo e Minas Gerais, vacinaram, até o momento, cerca de 20% de suas populações enquanto nas regiões do Norte e Nordeste, esses percentuais foram de aproximadamente 15%.
O artigo Covid-19 dynamics after a national immunization program in Israel, publicado na semana passada na revista Nature Medicine, avalia os reais efeitos da política de imunização daquele país cujos resultados indicaram que as quedas expressivas de casos e internações só se tornaram eficazes com vacinação superior a 50% da população, por grupos etários ou elegíveis – comorbidades, grávidas, profissionais da área de saúde etc. Portanto, os resultados de Israel reforçam a percepção geral de que estamos longe de reduzir nossos níveis de casos, internações e óbitos, mantendo-nos, inclusive, vulneráveis a nova variantes.
O último relatório Projeção Contratual de Entregas de Vacinas Covid-19, divulgado em 19/05 pelo Ministério da Saúde, mostra que no mês de junho devem ser disponibilizadas mais 12 milhões de doses de vacinas, ainda voltadas para os grupos prioritários. Para o terceiro trimestre, estima-se receber 166,9 milhões de doses, e 158,6 milhões no último quadrimestre do ano. Esses são números já acordados junto aos fornecedores internacionais, excluídos contratos em negociação, e evidenciam longo caminho a percorrer rumo à imunização.
Se alcançarmos a meta de imunização em massa em fins de 2021, o ano de 2022 desnudará os problemas estruturais da baixa qualidade da escolaridade e da falta de oportunidade no mercado de trabalho para as pessoas menos qualificadas. Crianças e jovens que estiverem frequentando a escola poderão expor a lacuna de aprendizagem dos dois anos remotos, enquanto a falta de oportunidade no mercado de trabalho para os menos escolarizados agravará de vez o cenário do desalento. Contra esse grave problema estrutural vivido pela sociedade brasileira, a vacina se chama igualdade de oportunidades e o país não tem como produzi-la no curto prazo.