A despeito das diferenças de nível, a pandemia do coronavírus afetou sobremaneira a capacidade de produção de riqueza de todas as economias do mundo. A expectativa é de que, em 2021, grande maioria das economias terá conseguido superar as perdas realizadas em 2020. Para além de superá-las, o mais importante torna-se a capacidade de sustentação, a qualidade e as condições em que se darão sua produção.
De duas semanas para cá, muitas projeções de crescimento da economia brasileira para 2021 têm sido revisadas para cima, criando-se um consenso de que o país pode recuperar a queda de -4,1% do seu Produto Interno Bruto (PIB), verificada em 2020. Nesta terça-feira (1º/6), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga o resultado do primeiro trimestre de 2021 do PIB brasileiro. Aliás, é bem provável que, enquanto você esteja lendo essa coluna, já saiba qual foi seu resultado.
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Covid-19: para além da imunização, o desalento dos menos escolarizadosQuem ficará de fora nos trabalhos do futuro?Violência em números: o perigo mora ao ladoTaxa de desemprego fica em 14,7% no trimestre, revela IBGEMortes por desespero podem ser o futuro das crianças expostas ao trabalhoNa contramão do PIB, renda do brasileiro cai 10% com inflação em alta e desemprego recordeNa semana passada, o IBGE divulgou o resultado da sua pesquisa de emprego para o primeiro trimestre de 2021. No comparativo entre o primeiro trimestre de 2021 e igual período de 2020, o rendimento real médio das pessoas que estavam ocupadas manteve-se estável. Isso seria um resultado positivo, caso a taxa de desocupação (desemprego) assim como o número de desempregados também tivessem se mantido estáveis.
Lamentavelmente, entre os dois períodos comparados, o país criou pouco mais de dois milhões de novos desempregados. Como consequência, o resultado final foi a queda de cerca de 10% na massa de rendimentos real – definida como o produto entre o rendimento real e o volume de pessoas ocupadas. Em outras palavras, menos pessoas empregadas, mesmo que não tendo havido perdas inflacionárias em seus rendimentos, provocou redução do potencial de demanda na economia. O perigo reside no ciclo negativo criado por menos recurso que reduz a demanda e que, por sua vez, impacta diretamente no nível da atividade econômica.
O IBGE, para calcular o PIB, utiliza algumas pesquisas próprias, além de registros de outras fontes. Dentre suas pesquisas, aquelas mensais da indústria, dos serviços, do comércio, da construção civil e da produção agrícola trazem boas pistas da tendência do resultado da atividade econômica. Essas pesquisas mostram tanto o volume produzido quanto o preço dessa produção. Assim, a combinação entre volume e preço determina o valor monetário da produção (riqueza) gerada.
Para os três primeiros meses do ano, as pesquisas mensais do IBGE estão indicando que o PIB brasileiro pode trazer resultados ligeiramente positivos. Os resultados regionais sugerem que, dentre os três maiores PIBs do país, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro ainda devem sofrer impactos negativos sobre atividades do comércio e serviços, enquanto Minas Gerais parece estar em situação relativa mais confortável, com indicadores positivos em todas pesquisas.
Para a economia brasileira como um todo, os subsetores de vestuário, combustíveis, transporte, alojamento e alimentação (bares e restaurantes, em geral) e indústria automobilística ainda se apresentam como aqueles mais afetados pela crise sanitária, em reflexo claro de que, enquanto não for devidamente combatida, alguns setores-chave da economia ainda permanecerão vulneráveis.
Como o país, através de seus lideres e agentes propulsionadores do crescimento e do desenvolvimento econômico pretendem atacar a questão do desemprego e da baixa capacidade de demanda? Entre 2014 e 2020, no Brasil, a formação bruta de capital fixo – que mede o quanto o país está investindo para aumentar sua capacidade produtiva, caiu 24%. Resumindo: nem governo nem setor privado têm investido e o resultado, pelo lado do mercado de trabalho, tem sido a perda de capacidade de compra.
A combinação perigosa entre baixa capacidade de produzir ganhos de produtividade e fraca demanda pode ser enganosamente mascarada pelos resultados positivos do PIB. No desagregado das pesquisas mensais que alimentam o cálculo do PIB, o que chama atenção, desde o início da crise econômica em 2014, é o “descolamento” entre volume e preço das produções setoriais. Dito de outra forma, o país vem se beneficiando da elevação de preço e não do volume produzido para gerar riqueza, mascarando sua baixa produtividade e seu (des)acúmulo de capital. Portanto, todo cuidado é pouco ao se analisar e comemorar os resultados do PIB brasileiro!