O ano de 2021 aproxima-se do fim e sinais da crise econômica mundial ainda preocupam, sobretudo por virem acompanhados de duas outras crises: climática e humanitária - esta última agravada pela pandemia da Covid-19. No último dia 10, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebrou o Dia dos Direitos Humanos. Não por acaso, o tema deste ano foi a redução das desigualdades. Como podemos avaliar a participação do Brasil na busca pela garantia dos direitos que garantam essa redução?
Entre os 30 artigos que compõem a Declaração dos Direitos Humanos, alguns chamam atenção no contexto atual. O artigo 1º diz que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". No Brasil, a esperança de vida ao nascer - idade média de vida estimada - tem estreita correlação (da ordem de 0,67) com o nível de atividade econômica medido pelo Produto Interno Bruto (PIB). Isso significa que estados com menor expectativa de vida ao nascer têm também piores condições econômicas.
Além disso, as disparidades entre maior e menor expectativa de vida, nos estados brasileiros, chega a 7,5 anos de vida, segundo dados de 2019. Devido ao fato de a mortalidade pela Covid-19 ter afetado relativamente mais os estados com menor PIB, os resultados transitórios, no sentido do controle ainda em curso da pandemia, podem ter aumentado ainda mais as diferenças regionais de expectativa de vida ao nascer.
O artigo 4º afirma que "ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos". Segundo dados do Radar SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho), atualizados até setembro do ano corrente, 56.722 pessoas foram resgatadas de trabalho em condições análogas à escravidão, em todo país, entre 1995 e 2021, sendo Minas Gerais e Pará os estados com maior contingente de resgates na zona rural e São Paulo e Minas Gerais, na zona urbana. Vale lembrar que São Paulo e Minas Gerais respondem, respectivamente, pelo primeiro e terceiro maiores PIBs do país.
No artigo 23º, sobre o mercado de trabalho decente - conceito definido pela Organização Internacional do Trabalho em 1999 -, a Declaração dispõe sobre "condições equitativas e satisfatórias de trabalho e a proteção contra o desemprego; sobre a inexistência de discriminação salarial e pela defesa da "remuneração equitativa e satisfatória, que permita uma existência conforme com a dignidade humana".
Quanto às condições humanas dignas, os últimos dados disponibilizados pela Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos ao ano de 2020, indicam que 12 milhões de brasileiros viviam com menos de R$5,17 reais por dia, considerada situação de extrema pobreza, e quase 51 milhões encontravam-se em condições de pobreza, segundo critério do Banco Mundial para países de renda média-alta.
Sobre as condições de trabalho decente e equitativo, os direitos humanos estão longe de serem universalizados. Dados extraídos do relatório Síntese de Indicadores Sociais - Uma análise das condições de vida da população brasileira (ano de 2021), produzido pelo IBGE, indicam, de 2012 a 2020, aumento da subutilização das horas de trabalho. Estimativas preliminares, de 2021, apontam que a redução da taxa de desocupação (desemprego) também tem se dado com aumento da subutilização.
As variáveis nível de escolaridade e cor/raça também reforçam as desigualdades: em todos os grupos educacionais, os pretos e pardos têm maiores taxas de desocupação, com destaque para pessoas com ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto. Agravando a situação, os rendimentos do trabalho dos brancos eram, em 2020, mais de 70% superior aos dos pretos e pardos.
Lamentavelmente, a pandemia só serviu para acirrar as desigualdades: cerca de 30% das pessoas com nível superior puderam trabalhar remotamente ao passo que analfabetos ou pessoas com baixa escolaridade praticamente não tiveram essa oportunidade.
No que diz respeito às condições de educação, o artigo 26º, logo em seu primeiro parágrafo, afirma que "toda pessoa tem direito à educação. (...) deve ser gratuita, (...) e o ensino elementar ser obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito".
O governo federal acaba de cortar um dos dois critérios de elegibilidade ao Programa Universidade para Todos (Pro-Uni), o que permite financiamento somente para alunos que tenham cursado o ensino médio em escola pública. O Pro-Uni buscava corrigir, mesmo que no topo, o acesso ao ensino superior para aqueles que não conseguissem ingressar na universidade pública - as cotas do Enem para as universidades públicas faziam parcialmente esse papel inclusivo.
A pandemia também acentuou as desigualdades na base do ensino: cerca de 82% das crianças e 87% dos jovens em idade escolar estavam matriculados no ensino público, em 2020, e o Brasil foi um dos países com maior período sem aula presencial: 190 dias, entre março de 2020 e maio de 2021, com acentuadas diferenças inter-regionais.
Thomas Piketty, economista francês que se tornou mundialmente conhecido pelo seu livro O Capital no século XXI, afirmou recentemente, em entrevista ao jornal El País, que "O nível de desigualdade é contraproducente. (...) No longo prazo, significa uma perda coletiva limitar assim as oportunidades econômicas e as possibilidades de a economia se tornar mais dinâmica com uma maior circulação de riqueza, da propriedade e do poder".
Sem dúvida que muitos indicadores sociais nacionais tiveram grande evolução, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, até os dias de hoje. O ponto fundamental não é o avanço vivido, mas os sinais de incapacidade de garantias mais contundentes, imbricadas no aumento das desigualdades de renda e de oportunidades que têm atolado o país em baixo crescimento, perda de competitividade e, o que é pior, redução de algumas importantes "conquistas" - na verdade, deveriam se chamar direitos!