Faltando menos de três meses para o primeiro turno das eleições presidencial, estaduais e legislativas nas mesmas esferas, pouco tem se falado sobre as diretrizes que balizam os programas dos principais candidatos. Na minha última coluna neste espaço, em 12/07, trouxe os resultados do Índice de Variedades da Democracia (IVD), em que se constatava a liderança mundial brasileira no indicador polarização, grande responsável pela fragilização democrática e propulsor de graves perigos sociais estruturais. A educação é uma de suas vítimas.
Para além da produção do IVD, o Instituto V-Dem é responsável pela promoção e divulgação de estudos relacionados à democracia, denominado Case for Democracy (Caso para Democracia, em tradução livre) que divulga trabalhos de especialistas internacionais preocupados com impactos e correlações entre democracia e diversos aspectos da vida e do bem-estar das sociedades.
Dentre os estudos apresentados no encontro de dezembro de 2021, o do professor Robin Harding, da Universidade de Oxford, traz evidências de que, em média, as sociedades democráticas gastam mais com educação e contam com maiores taxas tanto de matrícula quanto de leitura – parênteses para os Tigres Asiáticos, que são um ponto fora dessa relação. Pesquisa adicional mostra que as democracias redistribuem mais os gastos com educação, uma vez que os dividendos se tornam maiores para os segmentos mais pobres e rurais.
Apavorante saber que, no atual governo brasileiro, os gastos com educação vêm sofrendo sistemáticos cortes. O Brasil tem apresentado indícios preocupantes de degradação social rumo à autocracia, ao atraso, à violência - número de registros ativos para caçadores, atiradores e colecionadores passou de 117,4 mil, em 2018, para 673,8 mil, em junho do ano corrente - e ao desalento - desemprego entre jovens é quase o dobro do verificado entre outros grupos etários.
O relatório de 2022 do Banco Mundial - “Pobreza e Equidade no Brasil: mirando o futuro após duas crises” – reforça um antigo e persistente atraso social: a reprodução da pobreza intergeracional entre os menos escolarizados. Em 2019, 30% dos filhos e filhas dos pais com o ensino primário incompleto também apresentavam esse mesmo grau de escolaridade. Do lado oposto, pais com ensino médio ou superior completo tinham quase 60% de seus filhos e filhas com o mesmo grau de escolaridade.
Muitas das vezes pergunto-me se minha escrita não se assemelha ao “samba de uma nota só”, em que, inevitavelmente, volto à defesa do investimento em educação como principal estratégia de geração de condições minimamente dignas para toda sociedade. Na verdade, apego-me ao refrão “faz escuro, mas eu canto, porque amanhã vai chegar”, da letra de Monsueto Menezes e Thiago de Melo, interpretada por tantas vozes nacionais.
Essa mesma escrita encontra coro e esperança em exemplares ações público-privadas, cada vez mais difundidas País afora. Em 2021, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) lançou, em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, o Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CBDPI), que também conta com outros apoios internacionais.
O Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, responsável também pela plataforma do Observatório da Educação Infantil, publicou, recentemente, seu primeiro estudo sobre a qualidade da educação infantil no país.
Tal estudo foi feito em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, em 12 municípios do País, desmembrados em 1.807 unidades educacionais nas quais foram pesquisadas 3.4677 turmas - 49% creches e 51% pré-escolas. O estudo traz resultados assustadores sobre a baixa qualidade da educação infantil no Brasil.
O Insper lançou, no início de julho, o Centro de Evidências da Educação Integral (CEEI), com apoio dos institutos Natura e Sonho Grande. O CEEI tem por objetivo gerar conhecimento e evidências dos benefícios da educação integral sobre o desenvolvimento humano.
Lepes, CPAPI e CEEI têm em comum a defesa do ensino de qualidade como prerrogativa capaz de promover a ruptura do processo intergeracional da pobreza. Todos esses organismos recebem apoio de fundações sociais privadas sem fins lucrativos. Remam na contramão das políticas assistencialistas eleitoreiras que, na verdade, estão tirando recurso da educação, perpetuando o processo intergeracional da pobreza e reforçando a autocracia.
No entanto, tais iniciativas, isoladamente, não mudam o todo. Esforços estruturais governamentais são condições necessárias para o país se recuperar econômica e socialmente. Não terá governo, seja de direita, seja de esquerda, capaz de colocar o Brasil em perspectiva humana, social e econômica de destaque se não construir políticas públicas que ataquem, com seriedade e planejamento de médio e longo prazo, os desafios educacionais e de inserção dos jovens no mercado de trabalho.
A evidência da recuperação recente do emprego às custas de salários reais menores é tão pobre quanto seu resultado. A ausência de conhecimento da sociedade das ações estaduais e municipais sobre a garantia da implementação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é outra evidência preocupante.
Baixa qualidade na primeira infância combinada aos resultados de baixa escolaridade de filhos e filhas de pais menos escolarizados é o retrato da estagnação e/ou do retrocesso no desenvolvimento humano. Pioram ainda mais quando flertam com movimentos autocráticos que se nutrem da “desqualificação humana” no sentido latu.
Inúmeros estudos longitudinais trazem evidências empíricas dos efeitos da escola integral de qualidade, na primeira infância, e de seus impactos sobre o desenvolvimento humano, sob a perspectiva de ruptura com a ciclo intergeracional da pobreza. O Nobel de Economia James Heckman é o precursor e maior expoente dessa teoria – Equação Heckman. Mas o Brasil insiste em seguir no escuro.
Mesmo caminhando nesse escuro ainda podemos escutar vozes distantes vindas daqueles que buscam o desenvolvimento e a igualdade de oportunidades de acesso para todos. Algumas fundações sociais reconhecem e lutam por essa ruptura. Inúmeros estudiosos, mundo afora, dedicam suas vidas para essas causas, assim como pela preservação da democracia em meio ao obscuro jogo político. Alguma esperança sempre haverá de nos mover para o amanhã!