Jornal Estado de Minas

ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

Nas eleições de 2022, mulheres precisam ocupar o Parlamento


Dentre as questões de gênero, a representatividade política deveria estar no topo das prioridades das sociedades. No século XIX, na esteira das revoluções burguesas, iniciou-se a discussão sobre o sufrágio universal como direito à representatividade democrática. No entanto, o direito ao voto feminino só foi concretizado no século XX, a partir do movimento das sufragistas, na Europa e nas Américas. O que dizer da representatividade parlamentar em pleno ano de eleições no Brasil? 

A história da luta das mulheres por igualdade de direitos na vida política só reverberou internacionalmente, em 1975, com a I Conferência Mundial sobre as Mulheres. Naquele momento, declarou-se o direito à participação plena das mulheres na vida política, econômica, social e cultural. Mas foi somente vinte anos depois, em 1995, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, que o tema “Mulheres no Poder e na liderança” compôs as 12 principais preocupações da conferência. 



Qualquer análise sobre representações sociais envolve, necessariamente, a relação entre sociedade e Estado. A representação política de gênero, em que pese alguma forma democrática de eleição, é refletida nas esferas de poder governamental e muito diz sobre como as instâncias políticas são capazes de priorizar e avançar nas questões de gênero. Em pouco sendo feito, mantém-se o desequilíbrio histórico de forças, vozes e interesses. 

A representação de gênero diz muito sobre visão, valores, escolhas, continuidade e, sobretudo, jogo de força entre as relações de poder nas esferas da vida política e social. Embora as conferências internacionais e inúmeras mobilizações regionais sinalizem crescente movimento em busca de igualdade de direitos, as raízes das desigualdades de gênero mantêm-se presentes no inconsciente de grande maioria dos homens e até das próprias mulheres. 

Apesar do percentual de homens e mulheres que votam ser muito próximo, apenas 24% das cadeiras parlamentares são ocupadas por mulheres, entre 75 países que englobam 80% da população mundial. Esses dados são do relatório “Enfrentando as normas sociais -Um divisor de águas para as desigualdades de gênero” - em tradução livre -, de 2020. O relatório apresenta o Índice de Normas Sociais de Gênero, métrica que busca medir quão preconceituosa é a sociedade. Dentre as suas 4 dimensões, encontra-se a política.



Em 2022, o Brasil tem a oportunidade de reforçar suas instituições democráticas e expandir sua representação feminina parlamentar. Para avançar precisa, antes de mais nada, romper com seus preconceitos intra e intergêneros. Dentre as próprias mulheres eleitoras, 37,7% acreditavam serem os homens melhores políticos que as mulheres, segundo o Índice de Normas Sociais de Gênero. Esse preconceito era ainda maior no universo masculino: 49,7% acreditavam que os homens eram melhores líderes políticos que as mulheres. 

Embora as mulheres representem 52,5% do eleitorado brasileiro, sua representatividade parlamentar é bem inferior à média mundial: em 2018, ano da última eleição para compor a Câmara dos deputados, das 513 cadeiras, apenas 77 foram ocupadas por mulheres, ou seja, 15% do total. No Senado, essa representação foi praticamente igual à da Câmara (14,8%). 

Comparações internacionais levantadas pela União Inter-Parlamentar mostram que, em 2018, o Brasil ocupava a 133ª posição mundial de representação feminina no parlamento, em um total de 193 países. As disparidades de gênero encontram forte eco nas disparidades de recursos financeiros para campanhas. Em 2018, os candidatos homens brancos chegaram a receber, do Fundo Especial e Fundo Partidário, 225% a mais que as candidatas mulheres brancas; em relação às candidatas negras, essa diferença foi de 1.050%. 



Por trás desses números alarmantes e muito recentes tem uma trajetória de busca por espaço público com origens na segunda década do século XX. “A Construção da Voz Feminina na Cidadania”, publicado pelo Supremo Tribunal Eleitoral, traz a trajetória das primeiras mulheres brasileiras por direito à participação na vida parlamentar. Mulheres de diversos cantos do país, desde grandes centros a locais pobres e sem acesso à informação.

Em 1910, Leolinda Daltro, baiana, professora e indigenista, criou o Partido Republicano Feminino, candidatou-se a deputada federal, na eleição de 1933, mas não foi eleita. Em 1927, no estado do Rio Grande do Norte, mais precisamente no município de Lajes, Alzira Soriano de Souza tornou-se a primeira prefeita do país. Em 1933, Edwiges de Sá Pereira, poetisa e professora, que ocupava, desde 1920, cadeira na Academia Pernambucana de Letras, candidatou-se, mas também não foi eleita. 

Carlota Pereira de Queiroz, médica e candidata, foi a única mulher eleita, em 1933, tornando-se deputada federal por São Paulo. Atuou nas áreas de Educação e Saúde e, em 1942, ingressou para a Academia Nacional de Medicina. A também médica Alzira Reis Vieira Ferreira, do norte de Minas Gerais, mais especificamente da cidade de Teófilo Otoni, em 1928, criou o curso de Humanidades naquele município. Candidatou-se, mas também não conseguiu se eleger. Almerinda Farias Gama, embora também não tenha conseguido se eleger, é considerada pioneira da representatividade negra e feminina no Brasil.



Nas eleições de 2018, as maiores representações políticas femininas, em termos percentuais, concentravam-se nas regiões Norte e Centro-oeste do país – regiões representadas pelas “mulheres do agro”. A força e o poder do “parlamentar homem branco”, nas regiões mais desenvolvidas, têm garantido a perpetuação do modelo pouco representativo das mulheres, cujas pautas, via de regra, voltavam-se para questões sociais e de saúde, fundamentais para um país rico em desigualdades de oportunidades.

Tão lenta quanto a garantia de direitos e espaços é a evolução do ser humano e sua capacidade de romper preconceitos. A preservação de diversas formas de conservadorismo e convenções é garantia do oportunismo fazendo morada na limitada mente humana, cuja preocupação para com o(a) outro(a) não é desprovida de algum interesse político menor, pois se fosse maior, a vida seria mais justa e igualitária. Mulheres e minorias precisam acordar para o fato de que suas batalhas são intensas e que a representatividade parlamentar não é apenas mais uma, mas sim das mais importantes.