A tendência à polarização e ao recrudescimento da extrema direita tem se firmado em várias partes do mundo, evidenciada de diversas formas, como o golpe de Estado em Myanmar; o autoritarismo com fetiche czarista de Putin na promoção da Guerra contra Ucrânia; as eleições diretas renovando quadros na Hungria, Polônia e mais recentemente na Itália; a guerra de braço a ser vivida por Macron em meio a um novo legislativo conservador que lhe fará forte oposição; e o aumento da rejeição a Joe Biden. No Brasil, o resultado parcial das eleições legislativas e executivas não fogem a essa tendência.
Em 2020, o Pew Research Center divulgou uma pesquisa em que apontava insatisfação de 56% da população com a democracia. Em coluna recente (12/07) discorri sobre os elevados níveis de polarização nutridos por estratégias de disseminação de inverdades, repressão da liberdade de expressão e intolerância à diversidade e à pluralidade, medidos pelo Índice V-Dem da democracia.
O índice V-Dem de 2022 reforçou a tendência brasileira mais conservadora, verificada a partir de 2013 – refrescando a memória, no ano que começaram os movimentos pelo passe livre e depois as manifestações contra o governo Dilma Rousseff.
Nos subíndices polarização e violência política do V-Dem, em 2020, o Brasil ficou em 170ª e 175ª posições, respectivamente; em 2022, sofreu ligeira recuada, caindo para 163ª e 171ª, entre os 177 países avaliados, mantendo-se no topo daqueles que apresentam as piores performances democráticas do mundo.
O Brasil só tem perdido desde que a polarização e a violência têm ganhado.
Desde 2014, a instabilidade econômica anda de mãos dados com a polarização, a falta de diálogo e a violência. As pautas clássicas da direita, de menor intervenção e atuação mais livre do mercado, agora vêm acompanhadas de valores morais, éticos e culturais que limitam a liberdade de escolha e de expressão.
As pautas clássicas da esquerda, que flertam em muitos países bem-sucedidos com valores mais sociais-democratas, estão perdendo seu campo de argumentação por não trazerem à baila como realmente pretendem enfrentar os problemas sociais fazendo valer suas bandeiras em meio à grave crise econômica, ao elevado endividamento, ao cenário internacional extremamente desfavorável, à baixa qualificação da mão de obra e ao mercado de trabalho com elevado grau de informalidade.
As equações não fecham em nenhum dos lados, extrema-direita e esquerda, e a sociedade parece não se dar conta do fosso que tem cavado para o seu próprio desenvolvimento humano. Nesse jogo de forças político, cego, populista, manipulador, tem um grupo cada vez maior aproveitando para “passar a boiada”. E a boiada do centrão fez a festa legislativa.
O PL, partido do atual Presidente Bolsonaro, elegeu 8 dos 17 senadores e terá a maior bancada com 13 representantes, além de 99 deputados federais - entre eles o mais votado do país -, também constituindo a maior bancada da Câmara, a partir de janeiro de 2023. Somados ao partido Republicanos, com 42 deputados eleitos, o atual presidente, se reeleito, terá forte base aliada no Congresso Nacional. Para engrossar esse coro, União Brasil também constituiu forte base, com 59 deputados eleitos e 12 representantes no Senado; o PP, com 47 deputados e 7 senadores, superando o MDB que obteve 42 novos assentos para deputado e totalizou 10 senadores.
Do lado do candidato Luís Inácio Lula da Silva, a federação petista com PCdoB e PV elegeram 79 novos parlamentares. É indiscutível a contínua perda de força parlamentar da esquerda, bem como de partidos mais de centro-esquerda como PSDB, com 18 novos parlamentares, PDT, com 17, e PSD com 42. No Senado, os números finais seguiram a perda de expressão, finalizando com 9 assentos para o PT, 4 para o PSDB e 2 para o PDT. O antipetismo segue firme na mente do eleitorado brasileiro e as ideias progressistas perdem cada vez mais terreno.
Quem paga essa conta? A própria sociedade que não consegue entender que o jogo de forças tem interesses muito menos coletivos do que pessoais, que os projetos tradicionais de família e bons costumes é afrontoso com os ideais de liberdade de escolha e de expressão, que a democracia está se arruinando em meio às estratégias de poder construídas sob os preceitos fundamentalistas religiosos.
Em 06 de setembro, o Pew Research Center divulgou pesquisa realizada com adultos americanos sobre as lições aprendidas com o desenvolvimento de tratamentos médicos e as vacinas, no combate à Covid-19. Os respondentes democratas afirmaram que as maiores lições foram “o apreço pelo processo de desenvolvimento de vacinas e pela velocidade que foram desenvolvidas, bem como o respeito pela ciência”. Já os respondentes que se identificaram como republicanos afirmaram ser “o ceticismo em relação às vacinas seu principal aprendizado, seguido das desconfianças em relação à indústria farmacêutica e aos funcionários do governo”.
O recém-deputado federal mais votado do Brasil tornou-se nacionalmente conhecido, em 2021, quando tentou conhecer o Cristo Redentor e não pôde subir por não ter cartão de vacina. O PL trouxe para o cenário nacional o ceticismo em relação à ciência, seja sob forma de cuidados sanitários, seja climático ou de segurança pública – deixo esse exercício para o leitor buscar conhecer a nova maior bancada do Congresso Nacional.
As minorias também tiveram seu papel: mulheres transexuais agora são 2, indígenas, são 3. Defensoras da educação e dos direitos de liberdade e igualdade para a mulher continuam, a passos de tartaruga, ganhando espaço, a despeito de nomes como da ex-ministra Damares, conhecida por suas pautas extremamente conservadoras, passar a compor o Senado com mais outras 3 novas representantes daquela Casa. Mas as mulheres, no cômputo final, responderão por apenas 18% dos cargos legislativos, mantendo-se distantes do coeficiente de igualdade de gênero.
O que o país revelou em seu último debate antes das eleições foi que padre pode não ser padre e fingir continuar fingindo ser padre, em rede nacional, que a população acha graça, faz même e se diverte; que ofensas e palavras de baixo calão são normas de educação instituídas oficialmente, desde a Copa do mundo de 2014, quando a Presidente Dilma Rousseff foi ofendida em frente a vários chefes de Estado; que morte e fome são tratadas como armas manipuladoras para angariar ou repelir votos; e que educação não é pauta para gestão pública.
O Brasil vem se redesenhando democraticamente com forte guinada à direita, uma “nova direita” ainda não tão conhecida, mas reconhecida em histórias de nações que hoje vivem verdadeiras tragédias humanitárias, autoritarismo e forte repressão. A esquerda, por seu turno, parece paralisada em um passado aparentemente glorioso, que abriu espaço para o que hoje vivemos. Ainda não conseguiu mostrar para o que veio, deixando o terreno cada vez mais firme para aqueles que sabem bem o que querem e não se intimidam em mostrar.