Jornal Estado de Minas

ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

O ChatGPT chega para acabar de vez com a criatividade

É de Erich Fromm, pensador judeu-alemão do século XX, a seguinte frase: “A criatividade exige a coragem de deixar as certezas de lado”. Desde a entrada do novo governo, pesquisadores e pensadores que se debruçam sobre questões afeitas ao desenvolvimento social têm enfatizado a necessidade de reconstrução de políticas.



Nessa esteira de ideias diversas, tenho me perguntado se, no mínimo há 30 anos, o Brasil e o mundo não se deparam com as mesmas questões. E se a tecnologia não tem sido o grande motor que, cada vez mais, oblitera o pensamento e dá espaço ao imediatismo, destrói a capacidade criativa e reflexiva e estimula a mecanização inconsciente das ações. 

Na semana passada, o Brasil viveu, em meio à euforia e à folia carnavalesca de milhões de brasileiros, a tragédia de alguns milhares em um dos locais mais “badalados” do litoral paulista. A tragédia de São Sebastião tratou de reforçar dois aspectos: as disparidades sociais e a ausência de política urbana. O presidente, em visita à região, chegou a pedir para não construírem mais próximo a encostas, em discurso que demonstra ou o desconhecimento dos problemas urbanos, ou as razões que movem as escolhas habitacionais dos mais pobres. 

A falta de planejamento urbano, ou a falta de execução do planejamento urbano, é prática corrente de nossos governantes, sem contar casos escandalosos entre os setores público e privado que acabam por beneficiar grupos minoritários. 





O resultado dessa negligência tem sido, ao início de cada ano, enchentes, desmoronamentos, mortes, perdas materiais e imateriais irreparáveis enquanto as políticas de planejamento urbano e de redução do déficit habitacional continuam sendo tratadas como há 27 anos – período que o governo federal passou a contar com a construção do cálculo do indicador habitacional para a área urbana. 

Conforme levantamento do jornal Folha de S.Paulo, há 13 anos que pesquisadores da Unicamp publicaram estudo sobre a expansão habitacional em áreas de risco no litoral paulista e, em 2020, o Ministério Público apontou que a manutenção da atual situação do Sahy – região mais afetada em São Sebastião - seria uma verdadeira tragédia anunciada. 

Mas as questões sociais sem tratamento adequado espalham-se pelas mais diversas áreas. Na última sexta-feira, 24/3, terminou o prazo para inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) daqueles que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio - Enem 2023. Há 25 anos, criou-se o Enem, modalidade mais inclusiva e equitativa de avaliação dos egressos do Ensino Médio. 





Com o passar dos anos e a utilização das notas do Enem para ingresso na maioria das universidades públicas, tornaram-se ainda mais gritantes as disparidades de desempenho entre os alunos oriundos da rede pública vis-à-vis da privada. As cotas constituíram-se importante mecanismo de redução das disparidades de acesso ao ensino superior, muito embora os desafios da formação básica permaneceram latentes. 

A pandemia da Covid-19 serviu para escancarar ainda mais essa discrepância, muito embora dados indiretos já dissessem muito sobre as desigualdades de acesso: segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), há 10 anos, 32% dos inscritos no Enem, egressos do ensino médio, não tinham computador em casa. Em 2019, esse percentual já havia subido para 46% e, em 2021, com forte redução do número de inscritos para fazerem a prova, esse percentual caiu para 42%. 

A falta de acesso à tecnologia domiciliar para cerca de 40% dos alunos do ensino médio se somou à baixa disponibilidade de oferta de laboratórios de tecnologia pelas escolas públicas, o que se tornou um verdadeiro desastre para, no mínimo, 70% das crianças e jovens do País entre os anos de 2020 e 2021.  Acrescido às diferenças de formação e de acesso à tecnologia, tem-se a evasão escolar, praticamente inalterada e quase nula para alunos da rede privada, mas ainda em torno de 5% a 6% ao ano, segundo os dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB). 





Na esteira de reinventar o que não foi corretamente desenhado e implementado, especialistas veem, no início do novo governo, o momento de reconstrução do Ministério da Educação e de redesenho das políticas públicas para o ensino básico, donde se incluem educação integral, alfabetização, modernização das escolas etc., com o governo federal liderando e controlando o processo, a partir de metas previamente pactuadas com estados e municípios. 

Não será a primeira vez que se vislumbram redesenhos e avanços, mas certamente é a vez em que as perdas acumuladas atingem seu cume. Enfim, há décadas, o Brasil revive seus problemas educacionais, tratados “aos trancos e barrancos”, como bem escrito por Darcy Ribeiro em seu livro com o mesmo nome. 

Poderia me estender aqui e falar do Sistema Único de Saúde (SUS) e suas questões correlatas de abrangência, alcance, atendimento e disponibilidade dos serviços, que têm sido intensamente tratadas pela demógrafa Márcia Castro em seus artigos semanais na Folha de São Paulo.



Também poderia falar das questões climáticas e de sustentabilidade, em que o Brasil teve papel protagonista, em 1992, com a ECO-92, na cidade do Rio de Janeiro. Mais uma vez, volto a falar de 3 décadas atrás, em um horizonte de tempo em que o combate a problemas estruturais não avançou e, em alguns casos, até retrocedeu.

No entanto, deixo para o ChatGPT a participação do ex-presidente de Cuba Fidel Castro na ECO-92. O ChatGPT soube vestir melhor roupagem que o Google e criar “narrativas rasas mais completas”, porém suficientes para uma sociedade que vem perdendo a criatividade e a capacidade de se construir com crítica, preparo e educação em todos os sentidos. Minha curiosidade sobre esse “instrumento tecnológico” se deu após receber, pelo WhatsApp, um vídeo com parte do discurso de Castro na ECO-92. 

Eis aqui parte da tradução do texto gerado pelo ChatGPT, que veio originariamente do inglês: “Fidel Castro destacou a necessidade urgente de um esforço coletivo para direcionar a mudança climática e outros problemas ambientais. Enfatizou a responsabilidade das nações desenvolvidas em tomar iniciativas, dados seus históricos de contribuição para a emissão de gás e a distribuição desigual da riqueza e dos recursos ao redor do mundo”. 





O mundo virtual do ChatGPT gera narrativas simples e objetivas, não pretende despertar capacidade crítica, mas sim “facilitar as respostas a dúvidas e interesses”. É mais um instrumento e talvez o mais poderoso, até o momento, para simplificar o pensamento e reforçar a incapacidade de se ter criatividade em uma sociedade cada vez mais em busca de respostas automáticas e certezas. 

O tempo dirá quão o chatGPT, aliado ao desinteresse dos jovens pelos estudos e pela política, pode se tornar uma tempestade perfeita para a alienação geral da Nação e do mundo. A ciência, a pesquisa e o interesse de pessoas pela construção de um País com condições dignas para todos ainda permanece, há pelos menos 3 décadas, um sonho a ser perseguido.