Jornal Estado de Minas

ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

'Entre Mulheres' é mais uma representação da desafiadora arte de ser mulher

Cada vez mais, no dia 08 de março, celebra-se a arte de ser mulher frente a tantos desafios, desigualdades e privações. Nessa data, em especial, são feitas inúmeras divulgações técnicas e movimentos de organizações da sociedade civil com o intuito de enaltecer e jogar luz sobre importantes diferenças entre homens e mulheres que ainda se mantêm nas diversas esferas da vida social, profissional e doméstica. 




 
“Entre Mulheres” é um filme que mostra a força da união feminina contra a violência, a privação e o abuso sexual; “Luz sobre as estatísticas do trabalho” é o mais recente estudo lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Dia Internacional da Mulher, que apresenta nova metodologia de mensuração da lacuna no mercado de trabalho entre homens e mulheres. “Coletivo Mães na Luta” é um movimento de mulheres que lutam, sobretudo, pela revogação da Lei de Alienação Parental – Lei no. 12.318 de 2010. Esses três são exemplos que selecionei para reforçar que, a cada ano que passa, enquanto comemoramos, lutamos!
 
Em “Luz sobre as estatísticas do trabalho”, a OIT apresenta uma nova forma de se estimar a lacuna existente de emprego e rendimentos entre homens e mulheres, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico dos países – nível de renda. A lacuna de trabalho entre homens e mulheres passa a incluir não somente a definição clássica de taxa de desemprego que se restringe às pessoas que gostariam de trabalhar e procuraram trabalho no período de referência da pesquisa, mas sim as pessoas que estão disponíveis ou estão buscando emprego, mas não necessariamente ambas situações ao mesmo tempo. 
 
A ampliação do conceito “revela” em números a situação bem mais desfavorável às mulheres no mercado de trabalho: enquanto as estimativas globais da OIT indicam que a menor faixa de desemprego tradicional é de 4,3% para os homens, em países de alta renda, e a maior de 6,2% para as mulheres, em países de baixa-média renda, as estimativas de lacuna de empregos sobem para 7,4% e 17,4%, nesses mesmos grupos de países e gêneros, respectivamente. 
 
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Os dados tornam-se ainda mais assustadores nos países de baixa renda, alcançando uma taxa de lacuna de empregos da ordem de 24,9% para as mulheres, ante 16,6% para os homens. Em outras palavras, a lacuna de emprego revela o que a taxa tradicional não é capaz de capturar: a desistência de busca por emprego pela falta de oportunidades, mesmo havendo o desejo de trabalhar. E esse efeito é bem mais acentuado no caso das mulheres que têm maiores barreiras à entrada no mercado. 




 
Juntamente com as dificuldades de acessar empregos, vem a diferença de renda. No mesmo estudo, a OIT também lança sua primeira estimativa global e regional sobre dados de renda do trabalho desagregados por gênero. Referem-se às diferentes fontes de renda do trabalho e não somente aos salários, para que, assim, incluam as remunerações que não decorrem exclusivamente do trabalho formal. 
 
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Sob essa perspectiva, incluem-se as dificuldades de acesso ao setor formal, as horas trabalhadas, os perfis ocupacionais etc., haja vista que esses condicionantes acabam por afetar mais as mulheres do que os homens. E os resultados são ainda mais gritantes que aqueles observados para a lacuna de desemprego: nos países de alta renda, as mulheres recebem o equivalente a 58% da renda do trabalho dos homens; e nos países de baixa-média renda, cujos resultados são os piores entre todos os países do mundo, esse percentual cai para 29%. 
 
De 2012 a 2015, por meio de duas emendas constitucionais e uma lei complementar, foi se estabelecendo a igualdade de direitos trabalhistas entre trabalhadores(as) domésticos(as) e os demais. De 2015 em diante, o que se observa é o aumento expressivo da informalidade do trabalho doméstico, que tem argumentos na retração econômica e na pandemia, mas com pitadas nada desprezíveis de aspectos culturais e sociais. O resultado foi o crescimento da informalidade de 68,6% em 2012 para 74,8% em 2022, com impacto quase que exclusivo sobre as mulheres.




 
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Não somente a realidade laboral continua se apresentando dura e injusta com as mulheres; a vida social e doméstica não parece trazer acalento. O “Coletivo Mãe na Luta”, assim como a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, as advogadas do “Coletivo Coletes Rosas” e tantas outras iniciativas da sociedade civil têm se mobilizado em prol da revogação da Lei 12.318 que dispõe sobre a alienação parental. 
 
Seguir nas redes sociais esses coletivos exige coragem e estômago forte, pois os relatos são estarrecedores. O que se tem visto, com frequência cada vez maior, são juízes(as) retirando filhos de suas mães, ignorando os relatos das mães e (pasmem!) dos filhos e das filhas que sofrem de abuso do progenitor. A lei exige que se construam provas e não apenas relatos verbais. 
 
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Abuso é palavra recorrente na história das mulheres. “Entre mulheres”, filme vencedor de melhor roteiro no Oscar de 2023, baseia-se na história real de mulheres e crianças metonitas, que viviam em Manitoba, na Bolívia, e sofreram abuso sexual de oito estupradores. Ao todo foram 151 vítimas, incluindo crianças pequenas, mas o fato só veio a público graças aos diálogos iniciados entre mulheres que, corajosamente, foram capazes de denunciar o ocorrido. 




 
“As Sufragistas”, outro exemplar filme que carrega a força do feminino e do feminismo, nos faz pensar qual o caminho a ser construído. Não existe um único, mas em todos se faz presente a necessidade de união das mulheres. A beleza desse filme está na garra, na coragem e no aprendizado de mãe para filha. E como disse Efu Nyaki, “metade do mundo são as mulheres; a outra metade, os filhos dela”. Cabe às mulheres se apropriarem de sua força interior e dialogarem – lembre-se que o nome original de “Entre mulheres” é “Mulheres falando” -, pois nada indica que o caminho se tornará, algum dia, mais fácil.