Foi iniciada há cerca de duas semanas a exposição DRIFT, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) do município do Rio de Janeiro. Espero que essa mostra seja itinerante e passe por todos os CCBBs, pois, além de impactante, nos faz refletir sobre a capacidade que a arte tem de mostrar nossa interação com o ecossistema, nossa contribuição na evolução humana, na construção das sociedades e tantas outras formas de expressão. DRIFT é arte contemporânea com comunicação fácil, porém com conteúdo profundo, que busca, por meio da tecnologia, reconexão com a natureza.
DRIFT é “bom mimetismo”, no conceito platônico, que pode facilmente ser transposto para as questões sociais, climáticas, laborais, sociais e econômicas em geral. Na atual exposição, DRIFT provoca, por meio de um belíssimo vídeo produzido com a utilização de mais de 400 drones - Franchise Freedom -, a reprodução dos comportamentos da natureza; adicionalmente, narra e indaga sobre como o conceito de liberdade e de inserção do homem e dos animais nos sistemas os limitam ou os “fazem sentir-se livres”.
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É importante destacar que DRIFT se trata de coletivo de arte, com base na Holanda, composto por 64 pessoas que se debruçam sobre o propósito de entender as transformações da natureza pelo homem e o papel da (alta) tecnologia nesse ecossistema. O vídeo intitulado Franchise Freedom nos dá a possibilidade de pararmos para pensar além dos resultados conjunturais das relações sociais aos quais somos diariamente expostos. Permite-nos sentir a importância do engajamento coletivo para sermos capazes de promovermos mudanças em prol da harmonia, da igualdade e do equilíbrio sistêmico.
Franchise Freedom é capaz de nos fazer perceber como repetimos padrões e somos encaixados dentro de um movimento coletivo que dificilmente pode ser rompido sem prejuízo individual. E nesse contexto, cada vez mais, emergem organizações que assumem papéis de cuidado e busca pela reversão de quadros deterioradores das condições de desenvolvimento humano. A Fundação Skoll, criada em 1999, na Califórnia (Estados Unidos) é um belo exemplo.
Anualmente, a Fundação Skoll agracia organizações sem fins lucrativos com alto engajamento no combate às questões climáticas, sanitárias, de desigualdades de acesso, políticas, de gênero etc. As organizações vencedoras do Prêmio Skoll para Inovação Social recebem, cada uma, US$ 2,25 milhões em financiamento irrestrito e suporte para dimensionar seu trabalho e aumentar seu impacto, além de aumentarem seu poder de influência em comunidades globais. Em 2022, das seis organizações premiadas, duas são brasileiras: NOSSAS e MAPBIOMAS.
NOSSAS se define como um “acelerador de ativismo”. Por meio de temas relevantes trazidos pela sociedade civil, ele cria comunidades engajadas para suprir lacunas sociais deixadas pelo setor público. É um trabalho coletivo e voltado para a coletividade. É a revoada dos estorninhos em busca de acolhida às demandas que os governos não têm sido capazes de atender, seja por falta de interesse, seja por falta de políticas bem desenhadas.
NOSSAS construiu a plataforma DefeZap e, por meio dessa, processou mais de 490 casos de violência ou abuso policial, ocorridos entre 2016 e 2018, o que culminou em 192 investigações oficiais. Desde 2019, DefeZap está sob gestão da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. NOSSAS também teve duas outras atuações expressivas: liderou, com mais 150 organizações, a defesa de um Programa Emergencial de renda básica que foi adotado pelo Governo Federal na pandemia da COVID-19; e promoveu 25 mudanças de políticas públicas em 18 municípios brasileiros, com a participação de 1,2 milhão de cidadãos.
MAPBIOMAS tem mais de 100 mil usuários anualmente, incluindo agências governamentais, companhias agrícolas, grandes bancos; já promoveu 8.100 ações contra o desmatamento no Brasil; conta com 35 anos de mapas produzidos com tecnologia equivalente ao que se gasta para produzir um ano de mapas pelos métodos tradicionais; e a rede Brasil do MAPBIOMAS tem inspirado a reprodução em outros países da América do Sul e até na Indonésia.
Da arte do coletivo DRIFT às ações coletivas do NOSSAS e do MAPBIOMAS, o mundo vem encontrando, para além dos organismos públicos e outras formas tradicionais de suporte aos governos, alternativas de pertencimento e capacidade de promoção de mudanças. Os movimentos coletivos parecem silenciosos, mas têm forte poder de mudança, e o tradicional mundo governamental e as instituições que os suportam ainda não se despertaram o suficiente para tais movimentos. Enquanto isso, os coletivos vão escutando as sociedades e construindo novos caminhos.