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Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

Censo 2022 sugere mudanças culturais, sociais e econômicas de largo impacto

Que acolhamos o Censo 2022, miremos na Agenda 2030 e construamos um país mais inclusivo, mais igualitário e mais justo


04/07/2023 07:15 - atualizado 04/07/2023 14:22
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O jovem Mathias Alves recebe em casa a recenseadora Marina Scotelaro de Castro
O jovem Mathias Alves recebe em casa a recenseadora Marina Scotelaro de Castro (foto: Arquivo pessoal)


Em 2010, lembro-me com clareza de ter recebido um recenseador jovem, homem, negro em minha casa (domicílio) para responder ao Censo. Doze anos depois, uma mulher, jovem, branca foi recebida pelo meu filho de 22 anos de idade para responder ao Censo 2022. Nesse dia, eu não estava em casa. Simbolicamente, o Censo estava sendo representado por pessoas que há 10 anos não poderiam fazê-lo. Esse é um dos poucos exemplos da dinâmica demográfica e de seus impactos sociais. 

Os últimos doze anos foram marcados por fortes mudanças no ambiente e na cultura. A tal cordialidade brasileira deu lugar à polarização política, culminou na separação de amigos e até mesmo de familiares, além de movimentos de saída do país. A pandemia da COVID-19 alterou as relações e as formas de trabalho, bem como a maneira das pessoas se interagirem e consumirem. O comércio eletrônico foi fortemente impulsionado. Adiaram-se casamentos e decisão de se ter filhos, enquanto antecipou-se a morte de mais de 700 mil pessoas. Esses e tantos outros fatores conjugados encontram eco nos resultados preliminares do Censo Demográfico 2022. É o Brasil com novas feições. 

Passados 12 anos, o país teve a mais baixa taxa (geométrica) de crescimento populacional em 150 anos de pesquisa. A tendência de queda já era observada desde 1960, acentuada no início dos anos 2000 e fortemente exacerbada nessa última década. Para melhor entendimento desse comportamento, ainda se faz necessário conhecer os componentes demográficos (fecundidade, mortalidade e migração) que impactam diretamente os resultados. 

Fatores externos como a pandemia da Zika, nos anos de 2015-2016, seguida pela da COVID-19, sobretudo entre 2020 e 2021, exerceram impacto na decisão ou no adiamento de se ter filhos. Crises econômicas, como a de 2015 a 2018, considerada a mais longa da história econômica recente do país, também afetam tanto as decisões de se ter filhos, como de escolher onde e como viver. Nesse contexto, a migração torna-se uma escolha por busca de melhores oportunidades de vida e trabalho. Não diferente, as tensões políticas iniciadas em 2013 e acentuadas por toda década, provavelmente, tiveram impacto sobre deslocamentos intrarregional e/ou entre países. 

O Brasil chegou, entre agosto de 2022 e maio de 2023 – período completo da pesquisa -, com 203.062.512 pessoas e 90.688.021 domicílios. Em 2010, éramos 190.755.799 pessoas e 67.569.688 domicílios. Tão surpreendente quanto a queda na taxa de crescimento populacional foi o aumento no número de domicílios. Mas o Brasil do Censo 2022 chegou em locais nunca antes visitados, como comunidades quilombolas e terras Yanomamis, embora tenha sofrido sua mais alta taxa de não resposta, sobretudo em condomínios de classe média alta e nos aglomerados subnormais (favelas) localizados nos grandes centros urbanos. 

Outros eventos negativos e que afetaram a execução da contagem populacional foram as fake news. Essa triste novidade tem contaminado o ambiente e trazido malefícios aqui e em toda parte do mundo. Acrescido às fake news, o Censo 2022 teve que ser realizado com verba irrisória de publicidade, o que, mais uma vez, impactou forte e negativamente seu alcance no tempo estipulado. Daí o Censo virou quase um parto: 9 meses de gestação!
E o que os primeiros resultados sugerem? Embora, muitas das vezes, os dados falem por si só, em geral funcionam mais como poderosos instrumentos de direcionamento, de análises e de formulação de estratégias e políticas. Em um intervalo de 12 anos, o mundo e o Brasil vêm experimentando, por um lado, ganhos advindos da “revolução” tecnológica, da contínua expansão de mercados, das trocas científicas etc.; por outro lado, perdas imensuráveis decorrentes de guerras, de fluxos migratórios por falta de condições de sobrevivência nos locais de origem, de discriminações raciais e étnicas, dentre outras. 

Mudamos nosso eixo de expansão populacional: enquanto a taxa (geométrica) de crescimento da população brasileira foi de 6,45%, na região Centro-Oeste foi de quase 15,86%; as das regiões Sul e Norte foram de cerca de 9,3%; as regiões mais populosas do país, Sudeste e Nordeste, ficaram abaixo da média nacional. A Região Centro-Oeste se destacou também como aquela com maior expansão do número de domicílios, com crescimento de 41,67% em relação ao Censo de 2010.

Os domicílios são classificados em dois grupos: particulares e coletivos. Os particulares continuaram respondendo pela quase totalidade (99,8%), embora suas formas de utilização tenham sofrido grandes mudanças: os particulares permanentes ocupados reduziram sua participação no total de domicílios particulares em contrapartida ao aumento dos permanentes vagos ou de uso ocasional. Ainda faltam elementos para que possamos compreender melhor os movimentos, mas há indícios de saída dos grandes centros. 

De fato, as capitais Salvador, Rio de Janeiro, Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte, Natal, Recife e Fortaleza viram suas populações diminuírem ao passo que muitos municípios em seu entorno sofreram expansões. É de se esperar também que a pandemia e a consolidação de trabalhos remotos tenham contribuído para tais movimentos. Entretanto, o que estaria por trás da expansão, mesmo que menos expressiva, das demais capitais? São Paulo e Vitória, na região Sudeste, Curitiba e Florianópolis na região Sul e todo Centro-Oeste foram favorecidos por expansão populacional e econômica.
O país tem se firmado internacionalmente, cada vez mais, com suas produções agrícolas e extrativas minerais. O Centro-Oeste é o maior expoente do agronegócio e o estado do Pará se expande com as extrações minerais. Consolidar-se nas políticas que geram impacto ambiental de médio e longo prazo sem discutir efeitos deletérios sobre meio ambiente, empregabilidade e competitividade da força de trabalho é pedir para se promover crises sociais profundas. 

Expansões econômicas, via de regra, são acompanhadas por expansões populacionais. Os dados do Produto Interno Bruto (PIB) dos estados brasileiros apontam que, entre 2010 e 2020 – último ano com estatísticas disponíveis –, o estado do Mato Grosso apresentou maior aumento relativo na participação do PIB nacional, seguido pelo Pará, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Goiás, nessa ordem. Novamente, as regiões Centro-Oeste e Sul destacam-se das demais. 

Somos um país com 5.570 municípios, dos quais dois estados, Minas Gerais, com 853, e São Paulo, com 645, respondem por pouco mais de 25% do total. Minas Gerais (MG) e São Paulo (SP) também respondem pelos dois menores municípios do país. Em 2010, Borá, em SP, contava com 805 habitantes, 10 a menos que Serra da Saudade, em MG. Em 2022, inverteram: Serra da Saudade tornou-se o menor município do país, com 833 habitantes, seguido por Borá, com 907. 

Pela legislação, cada município que não seja capital deve contar com, no mínimo, 5 vereadores. Inconcebível pensar que o estado brasileiro esteja a arcar com um custo de casas legislativas para municípios que não deveriam ser mais que distritos. Em sua totalidade, no Brasil, temos, após a contagem populacional do Censo 2022, 1.324 municípios com menos de cinco mil habitantes, o que corresponde a quase um quarto do total. Dentre esses, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por 484 - pouco mais de um terço do total. 

É difícil acreditar que esse volume de “micro municípios” possa vir a ter alguma expressividade econômica e social. Serra da Saudade e Borá tiveram PIBs de R$ 176.594 e R$ 721.199, em 2020, cifras seguramente abaixo do custo dos gastos legislativos e do executivo local. O Censo 2022 é mais um alerta para se repensar a distribuição territorial, antes de se redefinir precipitadamente o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), como já se antecipou o governo federal. 

Outro fator de política pública a ser urgentemente repensado é a discussão de déficit habitacional. Com o aprofundamento do esvaziamento de centros urbanos em decorrência da pandemia da Covid-19, mais 5.300.111 domicílios permanentes tornaram-se vagos não ocupados, resultando em 11.397.889 ao todo, em 2022. Enquanto isso, os governos insistem em construir unidades domiciliares em locais periféricos com acessos e condições de segurança precários. Esse parece ser o momento de se rediscutir políticas habitacionais, incluindo-se, na pauta, reocupação e revitalização dos centros urbanos. 

Por fim, que o próximo Censo agregue, em suas questões, pautas identitárias. Afinal, o Brasil precisa acolher toda sua pluralidade. Que acolhamos o Censo 2022, miremos na Agenda 2030 e construamos um país mais inclusivo, mais igualitário e mais justo para todos, todas e todes!

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