Em 10 de julho do ano corrente, o Governo Federal promulgou a Lei 14.617, que instituiu agosto como o mês da primeira infância. O objetivo é promover, nos âmbitos federal, estadual e municipal, ações conjuntas que sensibilizem a sociedade, os poderes e a iniciativa privada para a importância da primeira infância na formação educacional.
A primeira infância é definida como a fase que vai desde a concepção até os seis primeiros anos de vida de uma criança. É nesse período que são formadas as estruturas emocionais e afetivas, que se desenvolvem áreas fundamentais do cérebro relacionadas à personalidade, ao caráter e ao desenvolvimento cognitivo e que o bebê e a criança constroem suas primeiras compreensões das relações socioambientais.
A despeito da necessidade emocional e afetiva dos bebês em relação às mães – daí destaca-se o aleitamento não só como fonte fundamental de nutrição e vínculo, mas de segurança e construção de interação com o mundo ao seu entorno –, garantir ambiente de acolhimento e estímulo é cada vez mais defendido por estudiosos que veem a educação para a primeira infância como pilar para o rompimento do ciclo intergeracional de pobreza.
Os argumentos técnicos a favor da inserção das crianças, desde cedo, em ambientes educativos, apontam para o sentido de que a arquitetura do cérebro começa a funcionar nos primeiros meses de vida e o estímulo adequado gera benefícios cognitivos que seguramente vão impactar no desempenho escolar, reduzir repetências e evasão escolar e produzir indivíduos com melhores performances educacionais e laborais - o economista laureado ao Nobel, James Heckman, tem a equação que leva seu nome e mede exatamente esses efeitos.
Segundo o Censo Escolar 2022, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), havia 74,4 mil creches no país atendendo 36,0% das crianças na faixa etária entre 0 e 3 anos de idade. Mas somente 14,5% das crianças de 0 a 1 ano de idade estavam na creche e 54,4% daquelas entre 2 e 3 anos.
Entre as crianças de 0 a 1 ano de idade, 31,7% não frequentavam por ausência de creche, falta de vaga ou não aceitação pela idade, enquanto 60,7% não frequentavam por opção dos pais ou responsáveis. Para as crianças entre 2 e 3 anos, a ausência de creches, a falta de vagas ou a não aceitação pela idade responderam por 39,7% das não matrículas, enquanto 51,3% não frequentavam por opção dos pais.
Mesmo para as crianças de 4 a 5 anos - grupo etário em que a matrícula, há uma década, é considerada obrigatória -, 8,5% não frequentavam a pré-escola, em 2022, indicando que o Brasil ainda não alcançou a Meta 1 do Plano Nacional de Educação, definida para o ano de 2016. Estamos falando de cerca de 399 mil crianças de 4 anos e 113 mil de 5 anos de idade. Aliás, de 2016 a 2022, os percentuais de frequência escolar para os três grupos etários aqui analisados e que compõem a primeira infância praticamente mantiveram-se inalterados, quando não pioraram acentuadamente nos anos da pandemia do Covid-19.
Assim como outras campanhas mensais de conscientização, o agosto da primeira infância gera oportunidade de debates, (re)desenhos de políticas, conscientização social e, sobretudo, exigência de ações concretas das três esferas do executivo no investimento à promoção do tripé educação, saúde (incluindo-se aí segurança alimentar) e assistência social para crianças de 0 a 6 anos. Em 2024, o país terá o mapa da frequência escolar, com a divulgação da variável Educação do questionário da amostra do Censo Demográfico 2022, indicando quantas crianças de 0 ano em diante estão na creche ou na escola, em todas as localidades do país.
Ao pensar que as “reparações educacionais” começaram há exatos 11 anos, com as cotas nas universidades públicas - a Lei 12.711 foi promulgada em 29 de agosto de 2012 -, e que só agora o Executivo Federal volta sua atenção para a base da pirâmide etária, não há dúvida de que o Brasil engatinha nas ações educacionais para a primeira infância. Resta saber se seguirá como uma criança trôpega dando seus primeiros passos, buscando se desviar das ações de má fé mascaradas pelos balanços contábeis apresentados aos tribunais de conta, da incompetência técnica de nomeações inadequadas a cargos de gestores ou da “conveniência” de se perpetuarem as dificuldades de acesso ao ensino público de qualidade.