"Duas colheres de banha de galinha, uma pena de sanhaço da terra. Tudo isso misturado com leite de cabrita. É tomar isso e ficar bem fortão contra o corona, ativa a imunidade que é uma beleza. Aí pode vir COVID-19, 20, 21 e quantos mais..."
"Engraçado eu notei que quando penteio o cabelo pro lado esquerdo eu tenho tossido menos, foi eu pentear pro lado direito que começou a tosse..."
Tão engraçado quanto absurdo, mas infelizmente algumas pessoas, inclusive profissionais de saúde, acreditam que pode-se encontrar curas e tratamentos nos achismos e na vontade individual. As discussões ficam acirradas e revelam uma briga de ego e de vontades que não avançam em nada na ciência. Há um método e uma forma de se obter respostas reais para nortear as condutas médicas.
Em março deste ano, a Universidade de Oxford do Reino Unido iniciou um programa de pesquisa intitulado RECOVERY (Randomised Evaluation of COVid-19 thERapY), incluindo quase 12 mil doentes, em 175 hospitais do Sistema Público de Saúde Britânico. No último dia 16, a Universidade divulgou resultados promissores a respeito do tratamento contra a COVID-19 utilizando o medicamento Dexametasona. Pesquisas como esta são os famosos Clinical Trial ou Ensaios Clínicos que testam a eficácia e a segurança de um tratamento.
%u25CF Eficácia: É a medida do efeito de algum tratamento ou substância.
%u25CF Segurança: É a certeza de que o tratamento proposto não irá prejudicar ou causar eventos não esperados em quem receber.
Através do método científico é possível comprovar as ideias e transformar opinião em sabedoria e conhecimento. Não há nenhuma fórmula secreta que está sendo escondida para um golpe biológico, a pesquisa científica é demorada e deve ser criteriosa. Em março, falamos um pouco sobre isso no texto "Coronavírus: enquanto a vacina não vem, atenção para a prevenção" e em maio, a Dra. Carolina Vieira, oncologista que também compartilha o seu conhecimento aqui, abordou o assunto no texto "Por que desenvolver novo medicamento pode levar mais de 10 anos?"
Os participantes do RECOVERY são padronizados e controlados. Estão sendo propostos diversos tratamentos e os resultados são analisados com bastante critério. A partir disso, observou-se que o grupo de pacientes que recebeu tratamento com dexametasona apresentou melhores desfechos e menos mortes. Após tantas discussões de Cloroquina, Hidroxicloroquina, inúmeras receitas mágicas e quase fantasiosas, surge um bom estudo que relata que o corticóide Dexametasona reduziu as mortes em pacientes que necessitaram de ventiladores e também de oxigênio suplementar. Em casos leves não foram observados redução de danos e morte.
É muito importante entender o que os estudos científicos se propõem a responder. Este estudo afirma que o uso de Dexametasona 6mg por 10 dias conseguiu reduzir as mortes em pacientes graves e moderados. Nesta etapa, foram avaliadas 6 mil pessoas e os dados concluíram que o tratamento é eficaz e seguro, mas é preciso frisar e deixar bem claro que ele não é a solução contra novo Coronavírus - o que esse estudo relata é que pacientes em tratamento que fizeram o uso de Dexametasona podem ter o risco de morte reduzido.
O estudo afirma que não houve nenhuma melhoria para pacientes com quadros leves, também não houve nenhuma evidência de descoberta da solução contra o Coronavírus. O que foi possível constatar é que com tratamento adequado, suporte clínico, oxigênio, equipe, hospital e diversos outros medicamentos, o uso de Dexametasona está aumentando o número de sobreviventes. Este medicamento só tem comprovação em casos moderados e graves. Então, nada de ir correndo às farmácias e esgotar o estoque deste remédio, que se utilizado de maneira inadequada pode causar outros sérios problemas à saúde.
O uso de Dexametasona reduziu a morte de 1 em cada nove pacientes em ventilador e de 1 em cada 25 pacientes em oxigênio suplementar. A notícia veio em boa hora para apresentar aos paladinos da Hidroxicloroquina que não há de forma nenhuma alguém sabotando o tratamento de Covid-19 - o que existe é o respeito aos métodos científicos para a preservação da vida. Um dos principais ensinamentos de Hipócrates, um dos pais da medicina, é primum non nocere - primeiro não prejudicar, ou o famoso "muito ajuda quem não atrapalha, ou mata!" - Já foi comprovado que mais de 5 mil vidas foram preservadas com o uso deste corticóide.
A Dexametasona é um corticóide esteroidal e ajuda o paciente com COVID-19 a vencer uma das etapas da doença que é fase inflamatória, atuando de forma a reduzir a tempestade inflamatória que prejudica o pulmão e outros órgãos.
O uso de corticóides em quadros de pneumonia e infecções respiratórias graves já era realizado há muitos anos, porém agora podemos falar com mais propriedade sobre os efeitos e produzir a primeira padronização de tratamento contra o Coronavírus.
Outros inúmeros estudos estão acontecendo e a cada nova descoberta teremos melhores tratamentos. O que temos de mais valioso até o momento é o suporte clínico e o uso de dexametasona. O óbvio precisa ser dito e o que é verdade para você deve ser comprovado, isso é ciência o resto é tweet.
Tem alguma dúvida ou gostaria de sugerir um tema? Escreva pra mim: ericksongontijo@gmail.com