Faltou o ar e não era COVID-19. Além dos pulmões, o ato de respirar envolve inúmeros sistemas do corpo humano e mesmo em tempos de pandemia, nem sempre a falta de ar é causada por uma doença respiratória.
Os profissionais de saúde que atuam em hospitais que atendem COVID-19 e tantas outras doenças convivem com o receio de estarem na presença de colegas e pacientes que podem estar assintomáticos, ou seja, carregando o vírus sem saber e contaminando os outros, vivem também a incerteza de atender um paciente respiratório e ficarem expostos, além do sofrimento causado pelos desafios de tratar. a doença.
Para todos que têm respostas prontas para a pandemia ou tratamentos extremamente eficazes e mágicos, por favor parem de se enganar. Sobram dúvidas e, novamente, encontramos dificuldade de lidar com tudo tão novo. Claro que um dia vamos voltar nos livros da história e perceber que estava tudo tão óbvio, mas no momento ainda não é.
Na minha prática diária tenho compartilhado com alguns colegas que os casos leves e até mesmo moderados de COVID-19 não cursam com uma sensação clara de falta de ar. De maneira paradoxal, a maioria dos meus pacientes que adentram em meu consultório, no Pronto Atendimento, chegam caminhando, com respiração acelerada, ajustando a máscara da forma que consegue - tampa o queixo, esconde o nariz, puxa a orelha, coça, coça - e pedindo para lavar as mãos. A falta de ar não era um comprometimento pulmonar.
- Ô Doutor, pelo amor de Deus, é muita falta de ar.
- Calma senhora, o que aconteceu?
- Muitos problemas doutor, é minha mãe que internou lá no hospital de campanha, meu pai é diabético e meu filho que trabalha de motoboy, entregando comida nos aplicativos.
- Senhora, senta aqui.
- O senhor vai contaminar eu to de ‘Covid’ (sic).
- Calma. Respira comigo, expande esse pulmão. Vamos encher de ar. Quantos anos tem seu filho...onde o seu pai faz o tratamento... sua mãe está grave? Precisou de tubo?
- Ah doutor, a gente fica nervoso, né? Eu só tenho eles, tivemos que fechar a mercearia também, a situação não está fácil.
- Minha querida, você notou que está respirando melhor?
- Nossa! Verdade.
- Senhora, está tudo muito difícil mesmo e às vezes a gente perde o controle e acha que esse aperto no peito é falta de ar.
- Ai…
- Sério, fique bem! O que a senhora tem é um desconforto, mas não é falta de ar.
Eu vou avaliar a senhora de maneira completa e vai ficar tudo bem, deita aqui na maca que eu vou escutar o pulmão da senhora.
- Nossa, parece que eu já estou melhor.
- Calma, vamos avaliar tudo para ver se tem algo atrapalhado com a senhora.
Esse é um diálogo que representa uma situação que está cada vez mais comum. A saúde mental da população está cada vez mais comprometida, arrisco a dizer que já estava, mas agora está cada vez mais claro o quanto precisamos mudar nosso estilo de vida, prioridades e formas de ver o mundo. Precisamos entender o que está no centro do cuidado e das nossas vidas.
Às vezes, nós, médicos, não conseguimos enxergar além das porcentagens do oxímetro, nós também estamos adoecendo, mas estamos numa posição privilegiada e ímpar, nós e todos profissionais da saúde temos condições de ajudar o próximo dando conforto e esclarecendo que muitas vezes a falta de ar que aperta o peito é uma angústia, fruto do sofrimento da nossa cabeça.
A cabeça acaba atrapalhando o resto todo, não é mesmo? Sem me ater a diagnósticos psiquiátricos ou outros quaisquer, assim como a saudade e o amor às vezes doem no coração e não são doenças cardíacas, a COVID-19 também causa falta de ar, sem acometer o pulmão.
Fiquem em casa e protejam-se, mas se tiverem dúvidas, procurem ajuda.
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