Jornal Estado de Minas

Questão de respeito

Como vou colocar DIU sem autorização do meu marido?

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Nesta semana, vamos dar uma pausa no tema de vacinas e COVID para falar de um assunto que, nos últimos dias, agitou a conversa nas redes sociais e fora delas também (com razão): a denúncia de uma prática abusiva de alguns planos de saúde no Brasil exigindo de mulheres casadas a autorização de seus maridos para decidir sobre o uso do Dispositivo Intrauterino (DIU). Para falar sobre o tema, convido a amiga, doutora Junea Chagas, médica ginecologista.




A escolha de colocar ou retirar o DIU deve ser somente da mulher?


A inserção ou retirada do dispositivo intrauterino (DIU) é uma decisão da mulher. Faz parte do seu direito reprodutivo e de autonomia em relação ao seu corpo. Recomendar que o casal combine junto uma decisão é totalmente diferente de exigir uma autorização do marido. Esta exigência é uma prática ilegal, insolente e viola a liberdade da mulher em gerir livremente a sua vida, efetuando as suas próprias escolhas.

Burocracias descabidas afastam mulheres da contracepção segura, em um país em que mais de 55% das brasileiras que tiveram filhos não planejaram a gravidez. Métodos contraceptivos de longa duração não estão acessíveis a grande parte das brasileiras e, onde existe o acesso, encontra-se dificuldade para a mulher conseguir o procedimento de inserção, devido a trâmites desnecessários.

O que você acha de uma mulher solteira, sem parceiro fixo, colocar o DIU?


Em O Feminismo é para todo mundo, Bell Hooks mostrou a importância da autonomia sobre o corpo como fator primordial à liberdade. "A liberdade sexual feminina requer um controle de natalidade confiável e seguro. Sem ele, as mulheres não podem exercer o controle do resultado da atividade sexual".



Não é necessário estar namorando ou ser casada para decidir usar um método contraceptivo eficaz. Sexo não está relacionado apenas à procriação e, o mesmo prazer que o homem solteiro possui direito, a mulher solteira também precisa e deve ter.

O homem precisa ser casado para tomar decisões em relação ao seu corpo? Não. O mesmo vale para as mulheres. O corpo da mulher não diz respeito ao homem a quem ela está vinculada.

Toda e qualquer pessoa pode viver sua vida sexual com prazer e livre de discriminação. Faz parte do direito reprodutivo decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e sobre a oportunidade de ter filhos.

Relato de uma paciente: "Quando fui inserir o DIU, em uma cidade do interior, ouvi do médico: - Está doendo? Na hora de fazer sexo não dói né?"

Na nossa sociedade, ainda existe a ideia de que as mulheres são as únicas responsáveis por uma gestação e que "só engravida quem quer". Ainda pior, culpam as mulheres por ter relação sexual, como se o desejo sexual feminino fosse um crime. A atividade sexual é uma necessidade psicológica e naturalmente se manifesta em ambos os sexos.



Os métodos de longa duração são raramente oferecidos por médicos particulares aos pacientes e o SUS só fornece o DIU de cobre. Mesmo assim, ainda é difícil uma mulher conseguir implantar o DIU de cobre pelo SUS. Quando consegue colocar o DIU, ainda tem que ouvir um desaforo deste.

Junea Chagas, médica ginecologista (foto: Arquivo Pessoal)
Há diversos relatos de mulheres dizendo que, se soubessem como evitar, não teriam tantos filhos. Como você analisa a situação da informação sobre a contracepção no Brasil?

A carência de informação sobre contracepção segura e a dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos são as raízes de um problema de saúde pública: um alto número de gestações indesejadas e, consequentemente, mais de 500 mil abortos clandestinos que são realizados todos os anos no Brasil.

No Brasil, o pilar da contracepção se sustenta em pílulas anticoncepcionais e preservativos, que são métodos que possuem maior chance de falha. Todo método contraceptivo, incluindo a cirurgia de esterilização, possui o risco de falhar. A frase "engravida quem quer" precisa ser urgentemente abolida da nossa sociedade.



É cruel culpar a mulher brasileira por ter vida sexual e por ter uma gestação indesejada, sendo que ela encontra um cenário de obstáculos à contracepção eficaz.

A Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, conferiu papel primordial à saúde, aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos.

No capítulo VII, da Plataforma de Ação do Cairo, os direitos reprodutivos estão definidos da seguinte forma: "Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência".

O respeito às mulheres deve ser uma bandeira de todos os cidadãos, não há espaço para retrocesso e nem conversinha fiada. Você, mulher, busque e exija respeito nos seus atendimentos de saúde e eu desejo fortemente a cada uma de vocês, profissionais incríveis como a doutora Junea, que consegue aliar simpatia, carisma, competência técnica e muito, mas muito, conhecimento. "Saber medicina é saber medicina e tudo mais porque tudo mais tem a ver com medicina": foram as palavras que ouvi no salão nobre da faculdade de medicina na minha primeira semana de aula.

audima