A consulta médica é inicialmente guiada pelos sinais e sintomas . Sinal é tudo que pode ser percebido por outra pessoa e o sintoma é tudo aquilo que a pessoa relata estar sentindo. Em um dos meus últimos plantões, vivenciei a seguinte história (os nomes são fictícios)
Sr. Enzo.
Chamo o próximo paciente. Como de costume, observo o caminho dele da sala de espera até o consultório, em que será atendido. Rapaz novo, com andar curto, levando a mão à cabeça, com rosto de quem estava sentindo dor.
- Como posso ajudar o senhor?
- Muita dor de cabeça, doutor.
- Onde dói?
- Dói tudo, lateja, aperta, parece que é uma doidera na cabeça.
- Você já fez uso de algum analgésico? Dipirona, paracetamol?
- Não, dipirona não passa essa dor não.
- Alguma coisa que você faz piora ou melhora essa dor?
- Não. Vem doendo, doendo, doendo sempre.
- Entendi, podemos tentar um medicamento na veia para ver se alivia um pouco?
- Doutor, só quero que essa dor pare.
Realizo a evolução do paciente, e encaminho ao setor de medicações. Após o prazo de efeito das medicações, ele já estava na porta do meu consultório, aparentava estar um pouco melhor, mas notei que ainda estava inquieto.
- E aí, Enzo tudo bem!? Melhorou?
- Doutor, aliviou, mas não melhorou.
[...]
- Doutor, eu melhorei, consigo ir embora.
- Enzo, eu estou percebendo que posso tentar te ajudar mais.
- Doutor, essa dor não vai melhorar.
- Mas o que aconteceu?
- Olha, eu namoro, quer dizer, namorava, aí descobri que a menina que eu namorava estava grávida, agora não está mais.
- Um pouco confuso né? Mas, me fala mais sobre essa história.
- A gente estava terminado, aí descobri que ela estava grávida, ela nem me contou. Eu soube, ela já tinha feito.
- O que ela fez?
- Foi um aborto provocado, agora já não está mais grávida. Eu tinha o direito de saber, não tinha?
- Enzo, situação bem complexa, e inclusive só sei de um dos lados, mas sim, acredito que o pai deveria saber sim.
- Doutor, meu maior sonho é ser pai. Eu não tive pai, tenho certeza que consigo ser um bom pai, mesmo não sabendo como é ter pai.
- Enzo, bonitas palavras viu, mas é um desafio e tanto!
- Eu tô preparado.
- A perda é forte, né? Você está com um desafio nas mãos. Essa dor não vai passar com dipirona, mas vai amenizar com o sossego. Essa dor precisa é de relógio.
[...]
- Você precisa de atestado?
- Não, eu estou desempregado.
- Olha, olha... Precisando estamos aqui, o hospital tá sempre aberto, meu plantão são esses dias aqui, vou anotar neste papel.
- É doutor, não é fácil não, mas parece que a dor já está até passando...
- É assim mesmo, olha para você ver: até outro dia, Enzo era só filho, não tinha Enzo pai ainda... o tempo passa, as coisas mudam e a dor melhora. Pode ir, vai com Deus, e se precisar volte.
- Brigadão!
Nem toda dor é tratada com dipirona. Tem dor que precisa de relógio.