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Estado de Minas ARTIGO

Basta se esforçar para chegar lá?

A raça deveria ser um critério arcaico e vergonhoso na seleção de RH's das instituições públicas e privadas, mas continua sendo um instrumento de exclusão


25/05/2023 12:44 - atualizado 25/05/2023 13:57
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Uma mão negra segura uma carteira de trabalho
(foto: Reprodução)

Um dos maiores desafios de uma pessoa negra adulta nessa sociedade capitalista é a inserção digna, íntegra e minimamente justa no mercado de trabalho. Esse discurso de que basta se esforçar para chegar lá não faz sentido para uma grande parte dos profissionais qualificados, que possuem o currículo Vitae e o Lattes perfeitos, mas são pretos ou pretas. Para o olhar racista das instituições que asseguram  historicamente as vagas com as melhores condições salariais – para pessoas brancas –, é como se a pele escura e o cabelo crespo denunciassem um “defeito de fábrica” para o qual não há formação e experiência que supra tal “deficiência”. E que um bom currículo só é legítimo se vier acompanhado por um corpo branco. Muitas vezes, o currículo não é tão bom assim, é mediano, mas o profissional é branco. Em pleno século XXI, a raça deveria ser um critério arcaico e vergonhoso na seleção de recursos humanos das instituições públicas e privadas, mas continua sendo um instrumento de exclusão e um dispositivo para assegurar o privilégio da branquitude. Isso é crime? É sim, e a pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão, mas a questão é: como provar?

As pessoas que buscavam uma colocação no mercado de trabalho na época em que os anúncios de empregos eram analógicos e feitos via classificados de jornais impressos, provavelmente se lembram do critério “boa aparência”. Um critério tão dúbio e sacana como é o racismo brasileiro. Afinal, se algum candidato negro alegasse que é uma forma de discriminação, a instituição o deixaria constrangido taxando-o de complexado e ignorante ao responder que não se trata de predileção racial e sim de higiene pessoal, cuidado com a estética e vestuários. Mas por mais bem vestido e limpo que estivessem, se a vaga não correspondesse a um cargo que ofertasse um sub-salário, os profissionais negros eram desclassificados por não possuírem o perfil da vaga. 

Atualmente, as empresas não listam na divulgação da vaga o critério de “boa aparência”, até porque pega mal para a gestão de imagem da instituição ser taxada como preconceituosa, que discrimina profissionais baseada em sua aparência física. Mas não estar listado no anúncio não faz com que deixe de continuar sendo um critério de avaliação do recrutador, não é mesmo? Tanto não faz, que quanto mais alto o cargo, mais branco é o corpo que o ocupa. Anteriormente, alegavam que era por falta de mão de obra negra qualificada, e agora qual será a justificativa? Já que nos últimos anos aumentou consideravelmente o número de pessoas negras graduadas e pós graduadas ávidas por uma promoção na empresa que nunca vem.

Esse é um assunto mais complicado para se tratar com a chefia do que pedir aumento salarial, vai por mim. Provavelmente custará seu emprego. Como não é e nunca foi fácil a recolocação no mercado de trabalho, os profissionais negros seguem nessa missão impossível de mobilidade sem baterem de frente com a instituição, sem erguerem a voz, sem serem enfáticos, enfim, sem problematizarem o porquê do colega branco com menos tempo de empresa, com menos entrega e com uma formação inferior foi promovido e você não.  
 
Cartoon de um homem negro avaliando uma candidata negra com avaliação nota 100, mas dizendo 'sinto muito, mas você não está qualificada para o cargo'. Lê-se acima deles: 'Negar acesso a cargo público ou privado por preconceito é crime'
(foto: TJDFT)
 
 
Não, definitivamente não basta ser dez vezes melhor, se esforçar para ter um currículo impecável, entregar um trabalho primoroso, quando se é negro ou negra e o recrutador e a chefia são racistas.  Contra o racismo institucional não existem argumentos fortes que os façam promover ou contratar um profissional negro ou uma profissional negra para ser remunerado com um alto salário. Entenda: não dá para continuar se responsabilizando por algo que não depende de você, acreditando no mito da democracia racial. No mercado de trabalho, a democracia racial também não passa de um mito, basta avaliar quem abre as portas da cidade antes do sol nascer, faz o trabalho insalubre, limpa, lava, esfrega, serve o cafezinho – e quem usufrui do espaço cheiroso, limpo, organizado e do café quentinho servido e entregue na mão. Não, isso não tem nada a ver com esforço porque, se tivesse, os postos de maiores hierarquias e melhores salários não seriam tão brancos. É preciso muito mais que esforço para chegar lá.

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