Em tempos de likes e acúmulo de seguidores, não é raro ver um ou outro preto, uma ou outra preta monetizando a pauta antirracista nas redes sociais, tornando-a palatável e interessante para quem quer e pode pagar. Com o avanço das políticas de promoção à igualdade racial – um resultado da luta do movimento negro organizado –, a violação de direitos em razão da raça/cor passou a sofrer uma vigilância civil cotidiana. Passou a ser denunciada e exposta. Com isso, os gestores de empresas entenderam a duras penas que, mesmo raramente tendo que responder criminalmente na justiça, ter sua marca associada ao racismo a desvaloriza financeiramente. Essa constatação fez e faz com que muitos gestores de instituições, no intuito de se prevenirem dos danos de uma acusação, e consequentemente terem que gastar uma nota com gestão de crise, corram para comprar de antemão o seu “selinho de antirracista”. Exatamente: não criam estratégias de prevenção desse crime, e são inúmeras as vezes em que incentivam a discriminação de pessoas baseada nas características raciais, tratando as pessoas negras como elemento suspeito ou incapaz.
Esse selinho é comprado em formato de palestras, consultorias, parcerias com pessoas negras que se acham muito espertas por estarem dispostas a lucrarem com o racismo. O antirracismo deixa de ser uma luta e se torna uma função ou uma profissão, muito rentável por sinal, mas sempre tem um “mas”, não é mesmo? Uma sociedade capitalista em que o antirracismo se torna uma mercadoria ou um serviço vendável faz com que as pessoas deixem de lutar contra, porque, nesse caso, o racismo fomenta a renda para sua sobrevivência. É aí que esses profissionais do antirracismo começam a se moldar e se adaptar ao sistema e à instituição que os contrata. Começa a elaborar um produto ou um serviço atraente para ser comprado, e como o cliente tem sempre razão, esses profissionais acabam cedendo ao interesse do opressor. É aí que os comitês de diversidade, as políticas de inclusão acabam por se restringir a uma autopromoção, a um marketing, a uma propaganda enganosa para, utilizando um termo mais atual, se tornar uma grande fake news.
Esses profissionais do antirracismo não são vistos em passeatas, não são vistos somando em movimentos negros organizados, militam e acham que lucram sozinhos, mas na prática prejudicam a luta histórica e coletiva do movimento negro. Uma luta que vem conseguindo, aos poucos, construir uma política pública com ações em que pessoas negras sejam tratadas de forma menos desigual. A aprovação da Lei de Nº10.639, que obriga as escolas a inserirem em seus currículos a história da África e dos negros – assim como, há anos, é ensinado a história da Europa e dos brancos –, aprovada há 20 anos é um exemplo. A inclusão de reserva de vagas no ensino superior e no serviço público de diversos municípios, estados e na instância federal é um outro exemplo que vem proporcionando a mobilidade social de milhares de pessoas.
Recentemente, o crime de injúria racial foi equiparado ao crime de racismo, tornando-se, também, imprescritível e inafiançável, ou seja, agora o sistema de justiça tem artifícios para punir de forma mais incisiva quem ofende, discrimina e cerceia o direito de ir e vir do cidadão negro de forma individual. Ainda falta muita luta para que seja conquistada o mínimo de equidade, porque ainda são os jovens negros que são assassinados a cada 23 minutos no país. Ainda são os homens negros a maioria dos detidos baseados em reconhecimento facial equivocado. Ainda são as mulheres negras as maiores vítimas da violência obstétrica e do feminicídio.
Vivemos em um país em que a polícia mata 5 jovens negros dentro de um carro com 111 tiros. Vivemos em uma sociedade em que o segurança de um supermercado mata uma cliente dentro do estacionamento e ninguém é condenado criminalmente. Estamos em um país em que as atividades do Dia da Consciência Negra geram mais incômodo nos brancos do que a violência racial. Vivemos em uma realidade em que as pessoas negras doam mais órgãos e as pessoas brancas são as que mais recebem. Enfim, ainda vivemos em um processo constante de genocídio para naturalizar que pessoas façam da luta antirracista fonte de renda. Eu não sei dizer o que é pior: se é quem vende o selo ou se é quem compra. Aliás, eu sei sim: o pior é quem compra, mas é revoltante constatar que pretos e pretas ainda caiam nesta armadilha ardilosa do racismo.