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Estado de Minas FILOSOFIA EXPLICADINHA

Após domingo, ainda continuaremos retirando as Ciências Humanas da escola?

A educação é contra violência. Educamos porque não coadunamos com atos agressivos; se optamos pela bestialidade é porque não acreditamos no potencial de educar


09/01/2023 20:27 - atualizado 10/01/2023 11:39

STF
STF foi um dos locais depredados por terroristas nesse domingo (8/1) (foto: Carl de Souza/AFP )
Muita gente já escreveu sobre as ações perversas, encabeçadas pelos terroristas dominicais, em seu “golpe de uma tarde de verão”. A reprodução tupiniquim da invasão ao Capitólio levanta, sem sombra de dúvida, a urgência de mecanismos enérgicos e eficientes na garantia da democracia, valor inegociável, premissa fundante de qualquer pacto social. 

No entanto, a tentativa fracassada desse Golpe de Estado, para além do rigor da lei, suscita uma importante discussão acerca dos caminhos trilhados pela educação neste contexto. No ano passado, escrevi uma coluna, neste espaço, ressaltando aspectos importantes para inibirmos qualquer tipo de formação fascista. Do antigo texto, gostaria de ressaltar um trecho:

“Não se trata de pensar a educação pós-pandemia, pós-analógica, pós-adulta, pós-verdade ou pós-conhecimento. O negócio é muito mais sério que isso. A proposta é pensar um processo formativo que ensine ao homem que ele precisa se humanizar para receber essa alcunha. E isso consiste, basicamente, em reprimir seu desejo originário e natural de eliminar qualquer outro que pretenda se interpor diante de seu desejo e seu caminho.”

A educação é, por princípio, contra qualquer tipo de violência. Se educamos é porque não coadunamos com atos agressivos, se optamos pela bestialidade é porque já não acreditamos mais no potencial de educar.  

Não é à toa que as nações com menor índice de violência são, também, aquelas que mais investem em uma educação crítica e de qualidade. Não ressalto uma educação qualquer, mas um processo de ensino-aprendizagem comprometido com a formação para a cidadania, os valores éticos e a sensibilidade estética. Vários dos que estavam lá, invadindo os espaços simbólicos da democracia brasileira, passaram por algum curso superior, foram aprovados em concursos e sabem ler e escrever. Não é disso que se trata, a educação contra o fascismo é algo que vai além.  

Na contramão do que realmente precisamos neste momento, nos entristece assistir que, a cada dia, presenciamos o desmonte dos componentes curriculares que têm em seu objeto de estudo justamente as questões republicanas, de ordem ética, humana e política. Faço referência às disciplinas escolares como a filosofia, a sociologia, a geografia, a arte e a história.

Sem desmerecer o potencial formativo das outras áreas de conhecimento, levanto a questão específica das Ciências Humanas. É notório que, no cenário educacional, esta é a área que mais perde carga horária. Entram e saem governos, de posições ideológicas variadas, e a mira está sempre apontada às Humanas. 

Reitero: não estou afirmando que a missão de combater o fascismo seja exclusivamente pedagógica, no entanto, é quase impossível negar que uma educação profunda pode contribuir, sobremaneira, para o desenvolvimento de um povo mais democrático e de uma nação com espírito republicano. Essa é, justamente, a matéria de trabalho das Ciências Humanas. 

É importante ressaltar que não se trata de um ensino ideologizado, comprometido com esse ou aquele partido político. Juntamente à liberdade de cátedra existe, também, o imperativo ético da responsabilidade docente. Á frente da turma ocupamos um lugar de poder que não pode ser usado como instrumento de nenhum projeto partidário. Escola não é lugar de militância, mas de um legítimo processo formal de humanização. 

Reconhecer o valor histórico da República, seu patrimônio material e imaterial, a beleza de um Estado Democrático, a importância da dignidade humana, expressa nos valores individuais, sociais e políticos, é missão de uma educação que se orienta pelo desenvolvimento de habilidades cognitiva, mas também morais. 

Aqueles e aquelas que destruíram os prédios dos Três poderes representam, também, a ascensão de um novo tipo brasileiro. Desprezados pela elite intelectual e política, querem fazer sua própria “revolução estética”, destruindo o Di Cavalcanti e reduzindo o Brasil a um quadro do Romero Brito. Ao som de qualquer Sertanejo Universitário, financiados pelas prefeituras do interior, desconhecem Villa Lobos e tomam cerveja em copo térmico, comprando roupa camuflada e óculos tático em qualquer casa de caça e pesca por aí. Aprenderam a gastar muito dinheiro com o último modelo de smartphone, mas são incapazes de reconhecer o valor de um vitral como o “Araguaia” e dos vasos chineses, destruídos ao trote de mulas. 

Caso não queiramos, nos próximos anos, ver cenas desprezíveis como as de domingo, não podemos prescindir de uma educação que seja profunda, crítica, sensível e criativa, orientadas por ciências, cada vez mais humanas. 

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