Jornal Estado de Minas

FLOSOFIA EXPLICADINHA

ChatGPT, Sofistas e a burrice de cada dia


A ideia de sair por aí dando respostas prontas a qualquer pergunta não é, a bem da verdade, uma novidade na história humana. Todo mundo tem aquele parente ou amigo chato que cisma saber, com profundidade, de todas as coisas. Nas rodas de conversa sempre aparece aquele sujeito que, como profeta do coito interrompido, é capaz de encerrar qualquer discussão prazerosa com uma busca no google. No mesmo instante, a conversa cessa, o ânimo se esvai, a história perde a graça e cada um começa a pedir a conta, pois, se não há o que discutir, em vão os homens se reúnem para beber.



Somos seres motivados pela busca incessante daquilo que ainda não sabemos. Daí a graça das perguntas. Esse é o prazer em desvelar o jogo da vida. Imagina se já nascêssemos sabendo de todas as coisas, com uma espécie de chip que nos oferecesse a resposta para todos os dilemas. Pensa no caos que se instalaria se todo mundo soubesse, por exemplo, a data de sua própria morte?

Imagina o critério de desempate para vestibulares ou concursos públicos: aqueles e aquelas que estão mais próximos da morte têm prioridade em caso de empate de vagas. Com certeza alguém impetraria o recurso: priorizar a data da morte como critério de desempate é totalmente contrário ao interesse público, tendo em vista que outros candidatos poderão gozar da função e contribuir com seu trabalho por mais tempo. O que seria mais justo?

Viveríamos mal se soubéssemos previamente a data da partida daqueles e daquelas que amamos. O dia chegando, a saudade batendo, o choro escondido e a medição de cada gesto como uma despedida. Imagina a conversa nos consultórios terapêuticos:

 

 

- Estou completamente apaixonada, mas não posso seguir com esse amor.

- O motivo? Ele está comprometido com outra pessoa ou não tem um bom caráter?

- Não... antes fosse... Na verdade ele morre semana que vem e não sei se invisto nesse relacionamento por uma semana ou deixo para lá e sigo meu caminho.

 

Empresas contratando, não por tempo de formação e/ou experiência, mas pela data do falecimento. Enfim, desvendar os mistérios e ter todas as respostas nem sempre é uma coisa boa.

Nas últimas semanas, muita gente ficou assustada com o ChatGPT e sua promessa de responder às perguntas por meio da inteligência artificial. Essa é uma reação natural. Outro grupo de pessoas, geralmente aquelas que adoram ficar apertando botões coloridos e babando frente à tela azul em um quarto escuro comendo macarrão instantâneo, demonstraram verdadeira satisfação sexual diante da promessa de um buscador que consegue superar gente de carne e osso, aprovado em uma pós-graduação na Pensilvânia. Essa já é uma reação patética e que demonstra pouca leitura histórica acerca dos fenômenos já vividos no mundo.



Desde a Grécia já convivíamos com um tipo de inteligência sofística. Pessoas que se dedicavam a decorar um monte de palavras, com memória invejável, capazes de convencer qualquer pessoa com seus discursos sobre qualquer assunto. Bastava desembolsar uma certa quantia e lá estavam eles, falando no mesmo dia sobre amizade, amor, economia, moda, esporte, mundo animal, ao mesmo tempo davam receita de bolo, ensinavam como emagrecer 30 quilos em 30 minutos e por aí vai... Sempre dispostos a responder qualquer pergunta, a qualquer hora, diante de qualquer pessoa, eram vistos como a nova inteligência. É por isso que o sábio fala porque tem alguma coisa a dizer; já os ignorantes porque têm que dizer alguma coisa.

 

Diante de fenômenos desse tipo, basta ser Sócrates e fazer a pergunta certa ao Sofista: por quê a mesma humanidade, capaz de enviar o homem à lua, deixa crianças morrerem de fome? Mais dinheiro ou mais Felicidade? Minha mãe, com pouco tempo de vida, pediu um copo de água em seu leito, mas os médicos não recomendam essa ingestão. Satisfaço seu desejo ou cumpro ordens técnicas? Meu filho tem todas as coisas que um jovem pode ter e mesmo assim vive trancado no quarto, em profunda depressão. O que se passa com seu desejo? Ser ético e cumprir todas as normas é garantia de uma vida feliz? Se não há paraíso depois da morte, posso fazer tudo que eu quiser enquanto estiver vivo? Meu pai sempre foi honesto, íntegro e admirado por todos, qual o sentido dessa morte dolorosa?

É justamente nesses momentos históricos que precisamos de uns Sócrates por aí. A burrice do ChatGpt advém justamente daquilo que ele nasceu para fazer: o automatismo da resposta. Sem a consciência da pergunta, ação tipicamente humana, ele não passa de um papagaio com memória invejável. Já nasceu pronto, assim como sapatos, bolas e panelas. No caminho contrário, as pessoas nascem incompletas, únicas, sem forma e repetição no mundo, e são as nossas escolhas, dilemas e perguntas que constroem a existência. Ser humano é ter a possibilidade de alargar, ilimitadamente, sua alma.

 

Isso acontece quando escutamos uma música, lemos uma poesia, choramos diante de uma foto, fazemos uma descoberta científica, presenciamos o nascimento de um filho ou simplesmente nos encontramos com a vontade de amar. Justamente por sermos incompletos é que somos, também, ilimitados. O chatGpt não deve nos assustar, pois, mesmo diante de todas as respostas artificiais, sempre teremos a possibilidade de alargar o espírito com uma sabedoria orgânica.