Jornal Estado de Minas

Filosofia Explicadinha

Meus filhos, sejam insignificantes!

Se eu pudesse deixar apenas um ensinamento aos meus filhos, uma única frase, daquelas que são processadas organicamente pelas sinapses cerebrais e se internalizam ao corpo, decidindo nunca abandoarem o vivente, eu deixaria: esforcem-se, meus filhos, diariamente, em direção à graça da insignificância.




Não se achem especiais, merecedores de qualquer prêmio reservado a herdeiros e vencedores. No final das contas, a melhor coisa do mundo é a liberdade conscienciosa de não merecer nada, de que tudo nos chega pela aleatoriedade do tempo. Esse elemento que não escolhe, não privilegia e, também, não castiga. Estamos sós e livres, vivendo na decisão de cada passo, como se estrada não houvesse. É preciso festejar a alegria de não ser nada, frente aos que adoeceram com a ilusão de conseguirem tudo.

De todas as regras de conduta, crenças religiosas e princípios morais, talvez essa dimensão seja a mais valiosa. Perceba que não falo de simplicidade, coisa de gente bem remunerada, que faz yoga e se dedica ao consumo de grãos indianos enquanto compram bitcoins e vivem de aplicações. Muito menos de humildade, essa culpa entranhada no tecido social, renovando a barata força de trabalho e garantindo o emprego de psicanalistas espalhados pelo ocidente.

Só a beleza em se saber insignificante nos livra de qualquer mal. Talvez, a grande ignorância da sociedade do desempenho, afundada em metas, trabalhos, realizações, influencers e motivações, seja o fato de que todos se achem especiais, merecedores de toda a atenção, como se a natureza fosse obrigada a reconhecer o privilégio de tê-los no mundo. O erro não está no cosmo, desorganizado, volátil e desinteressado em cada indivíduo, mas na crença de que somos merecedores de alguma justiça, nessa dança orgânica de bilhões de anos.




 Basta acreditar que isso não é nenhum azar, muito menos sorte. Agora, agora mesmo, milhões de pessoas estão dependendo de gente que nunca viu na vida. Na estrada, após o capotamento do carro, o senhor que guarda seus papeis em um banco qualquer espera passar alguém para lhe socorrer. Na cama do hospital cinco estrelas, a enfermeira que lhe passa a sonda decide doar um pouco de benevolência ao corpo decrépito, pois mesmo você sendo o sujeito escroto que foi, envelheceu, e, como não pode mais falar nem se mexer, depende da solidariedade de duas mãos que aprendeu, no fundo de um barraco, com um pastor que não conjuga verbos, a amar o próximo.

Não se assuste, pois a vida é assim mesmo, o encontro de insignificâncias em momentos aleatórios. E não me venha com o papo de que "isso para mim não importa, pois eu desejo mesmo é que meus filhos sejam felizes". Essa fala não passa de uma desculpa para não se engajar na vida da prole, desejando-lhe algo impossível. A natureza não nos programou para esse tipo de realização. Se atingimos um pouco de realização momentânea é porque lutamos muito por isso, com uma pitada de sorte também. Diferentemente dos animais, nos sabemos mortais; ao contrário das plantas, nos sabemos passíveis de doenças; ao contrário das pedras, nos sabemos portadores da velhice. Desde Freud, entendemos que a felicidade não é uma programação natural ao homem.

Por isso eu digo: digam aos seus filhos! Contem, o quanto antes, sobre a insignificância da existência humana. É melhor que eles saibam de nossa boca, antes que a vida, como sempre faz, lhes mostre, de forma cruel, de que tudo é contingencial. Só isso que eles esperam de nós: que descarreguemos de suas costas o peso da mentira que as redes sustentam. Talvez ainda dê tempo de salvá-los das doenças neuronais, transtornos de toda ordem, advindas dessa ilusão. Livremo-nos, enquanto temos tempo, dessa doença pós-moderna.

 A Rainha morreu, o Papa Morreu, Pelé morreu. Mesmo com pompa e circunstância, irão para a mesma terra, na igualdade insignificante de todos: um grande alimento para seres minúsculos. Apenas a graça da insignificância nos livrará do mal da sociedade do desempenho, que se desvela na tragédia que insistimos em chamar de futuro.