Jornal Estado de Minas

Filosofia Explicadinha

ChatGPT e Deus



Fui sojigado, em plena mesa do café, com a seguinte questão filosófica: pai, o CHATGPT é tipo um deus? Na hora, só pensei em duas coisas: primeiro, preciso levar esse menino para a catequese! Segundo, as crianças têm uma forma muito sutil de expor nossa ignorância diante das evoluções do mundo.



O Fato é que, a partir de então, coloquei como meta de vida a aventura nas selvas da realidade virtual, percebendo que, de jornalistas a padeiros, todos bateram um papinho com o CHATGPT,  ALEXIA, comando de voz do telefone ou algum espírito desencarnado em volta de alguma mesa branca por aí. A dúvida, mãe de todo o progresso, me pegou: será que estou perdendo alguma grande evolução da história?

A pergunta desconcertante de uma criança, em pleno café dominical, talvez estivesse apontando um novo momento da humanidade! Imagine... Passamos pelo teocentrismo, atravessamos o humanismo renascentista, avistamos o antropocentrismo e, agora, alcançamos a era Tecnocêntrica! Afinal, se tudo que é bom é tecnológico, talvez tenhamos encontrado uma grande divindade para responder a todos nossos dilemas morais.



Fico a pensar nessa nossa nova religião: a humanidade oferecendo sacrifícios diários, ajoelhada com o polegar em riste diante da tela azul, essa nova divindade digital que explica todas as coisas e é boa por si mesmo. Alguns hereges podem até dizer que sou avesso ao progresso tecnológico. Nada disso! Muito antes pelo contrário. Sou a favor de todos os avanços. Só não aprecio os inúteis. A escrita, o cigarro de palha e a cerveja foram descobertas que garantiram nossa existência até agora.

A respeito da escrita, nem preciso justificar. Chegamos aqui por causa dela e tudo devemos a essa descoberta ancestral. O cigarro de palha, enquanto existia em escala rural, nos livrava dos mosquitos nauseabundos, da dengue e do tédio. Já a cerveja, essa foi uma questão de saúde mesmo, um elemento fundamental para a conservação da espécie. Com certeza, sem ela, não estaríamos vivos. Ou você pensa que existia água encanada, tratada, mineral, na idade média? A fermentação foi essencial para a espécie humana, o sagrado suco da cevada matou bactérias, evitou desinterias e nos preveniu de males de toda ordem. Tudo graças a essa tecnologia monástica.



Mas a arrogância paterna falou mais alto. Já que todos estão testando conversas com entidades espirituais, vulgarmente chamadas de inteligências artificiais, após o desafio filosófico apresentado, me coloquei diante dessa sabedoria oracular do século XXI. Tenho certeza de que seremos constantemente lembrados nos livros de história. Aliás... Livros não! Isso é coisa de gente retrógrada, presa ao passado, com cheiro de naftalina. Seremos memória em dados que trafegarão em uma nuvem qualquer, em algum espaço de navegação, cheio de algoritmos que contarão nosso esforço, em forma de holograma, para os interessados em pesquisar todo nossa luta em prol da evolução moral da humanidade.

Imbuído desse sentimento religioso, testei o ChatGPT naquilo que mais define o ser humano, no aparato discursivo que demonstra a mais pura essência, na ação que preenche nossas carências inconscientes, no fator preponderante para nossa cidadania, naquilo que separa mortais de seres imortais: a capacidade contar piadas. Abri uma gelada, respirei fundo, meditei conforme o protocolo de uma boa conversa inútil e ordenei ao nosso novo amigo: conta uma piada para mim!

Não imaginava isso... A decepção foi total. Nenhum riso, nenhuma vontade de continuar bebendo, nada de uma interação sacana. Nem foi preciso aprofundar muito. Como experiência de relação entre o humano e divino, sagrado e profano, isso bastou. Desde Sócrates sabemos que uma boa ironia é fundamental para a vida em sociedade.

Fico ainda com essa frustração pairando meu pensamento: que deus não é capaz de contar uma boa piada? Para quem nunca experimentou essa epifania, o piadista é um sacerdote da conversa, com sua forma disruptiva de sintetizar qualquer assunto, evoca a capacidade de rir das coisas que nós mesmos produzimos, desvelando o mistério da graça. Mas o novo deus não conseguiu. Até contou algumas, tentou ser engraçado, mas falhou.

Apesar dessa falha, ainda sou otimista. Mesmos após o teste insosso, ainda vislumbro o progresso de nosso tempo, cheio de jovens revolucionários, desbravando a cidade com carros auto dirigíveis. Lá estão eles, fumando cigarro eletrônico e fazendo exercícios orientados por algum coaching de barriga negativa ao som de uma significativa dança de trinta segundos do TikTok, enquanto bebem aquela cervejinha artesanal, sem álcool e sem glúten, saborizada com jabuticabas colhidas na última primavera do Tibet.

O futuro que se prepare, lá vamos nós!