Casa com uma horta, pois consideramos uma indignidade que nossos filhos nunca tenham comido algo plantado por nossa própria mão. Acreditamos que isso não é apenas um gesto de subsistência, mas um ensinamento a respeito do esforço e dos mistérios da terra. Por isso, couve, alface, cebolinha, quiabo e manjericão fazem parte da família.
O pomar precisa de manutenção constante. Afinal, limão, laranja, acerola, jaboticaba e milho não surgem automaticamente nas gôndolas dos sacolões, colhidos ao verde da moeda corrente, por mais que algumas crianças aprendam, na escola, que a natureza é um recurso. É preciso regar, adubar e se esforçar para que as pragas fiquem longe.
A casa é distante de qualquer trabalho, pois diferenciamos muito bem a vida laboral dos momentos de felicidade. Uma coisa é o que fazemos de segunda a sexta, outra é o que somos na nudez das relações de amor. A distância nos ensina a esquecer a aflição do emprego, enquanto nos prepara, todas as manhãs, para enfrentá-lo. É por isso que, nos finais de semana, fazemos questão de celebrar a alegria de sermos gente, coisa que só é possível longe de relações entre patrão e empregado.
A chuva nunca assusta. Ela nos respeita na medida em que deixamos que corra tranquila, penetrando os espaços que a levarão ao céu novamente, pois sabemos que não é saudável interromper o ciclo dos estados variáveis das coisas do alto.
A estrada ainda é de terra. Tenho certeza de que o carro não ficará sujo, essa coisa abundante nos centros urbanos. Por aqui é só barro mesmo. No entanto, ele ficará marcado pelos caminhos do Brasil, valor histórico que confessa a liberdade anterior à chegada dos exploradores europeus. Em troca, o caminho lhe ajudará a desenvolver a paciência e o conhecimento de alguém que trafega, não pelo valor da chegada, mas pela beleza da travessia.
Deixo para o final o mais importante, agregando valor ético ao imóvel apresentado: não temos dependência de empregada, pois nunca trouxemos nenhuma jovenzinha do interior para estudar na Capital, trocando uma jornada de 24 horas por pão, café, leite e cama no quartinho dos fundos. Acostumamo-nos a dar conta da vida diária, com as belezas de arrumar a própria cama, fazer a comida e organizar o ambiente em que vivemos. Independência sempre foi o mais importante.
Valor a combinar, pois consolidamos o poder da palavra e a força do diálogo para resolver as questões sociais.
Dispenso interesseiros, sobretudo aqueles que tentam justificar as tantas escravidões, antigas e modernas, do alto de seus alpendres, tomando suco de uva. Já os outros, desinteressados naquilo que alguns consideram imóvel, é só nos procurar.