O mal sempre foi um dos nossos maiores problemas. Desde quando o homem desenvolveu estados de consciência, ele tem se perguntado sobre a natureza da maldade, seus efeitos e possibilidades de vencê-la, quase sempre pela via da educação ou da punição.
Carregamos essa pergunta no peito e fazemos dela uma questão existencial: a pessoa já nasce má? Ou a maldade é construída ao longo das experiências da vida? Alguma educação ou pedagogia será capaz de minimizar o mal no mundo? Ou ele é uma doença psíquica ou um desvio de caráter?
Para os não crentes, geralmente os relativistas, tudo não passa de uma convenção social. Isto é, mal e bem, vício e virtude, são apenas termos convencionais que criamos para definir as coisas. Sendo assim, não existe nenhum valor que seja universal, tudo não passa de acordos feitos em sociedades diferentes.
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O fato é que o mal ainda continua entre nós, facilmente identificável na condição humana, uma pergunta ainda sem resposta. Nessa semana, nossa sociedade se deparou com a asquerosa notícia a respeito do assassinato de quatro crianças na creche de Blumenau. A questão veio à tona: por que a potência da maldade ainda vence a inocência da vida? Basta acessar os portais de notícias, ligar o rádio ou a televisão, conversar com os amigos e acessar seus grupos de WhatsApp para vê-lo: o mal, imponente e frio, como dimensão trágica da existência humana.
Sócrates tem uma visão romântica sobre isso, acreditando que os homens praticam a maldade por puro desconhecimento do bem. Em outras palavras, caminha na inocência daqueles que pensam que basta educar, ensinar, pensar direitinho e limpinho para que as pessoas abandonem seus ímpetos malévolos, como se o mal fosse um problema de inteligência.
Hannah Arendt, por outro lado, fala de uma banalização das relações humanas. Ela pensa que, quando entramos no automatismo da vida, abandonando a reflexão diária, podemos passar por cima de tudo e todos sem perceber que estamos desviando da bondade. Ela chamou isso de “banalidade do mal”, evento comum nas sociedades totalitárias, como se o mal fosse um problema político.
Mas é Agostinho de Hipona – Santo Agostinho para alguns – que acertou na veia! O mal não é um problema cognitivo ou um dilema político, mas uma questão fundamentalmente existencial. Em "Confissões", o filósofo nos conta o dia em que sentiu prazer em roubar peras no lote vizinho. O que pode parecer um evento bobo, na verdade é um ato revelador da interioridade humana. Para ele, o furto não se tratava de necessidade, fome ou doença mental, mas um certo gozo em fazer o errado, satisfação que só o homem, e nenhum outro animal, pode sentir.
Agostinho é de um realismo brutal ao afirmar que o ser humano carrega, em sua natureza, a semente da corrupção. Devido à sua liberdade, cada sujeito, por possuir a potencialidade para se distanciar do bem, pode agir de forma degenerada, decaída, suja e pecaminosa. O pensador, como profundo conhecedor da alma humana, nos alerta que o mal não está na escola, no partido político, no trabalho, no modo de produção, na rua, no gatilho ou no vizinho, mas no interior do próprio homem, apenas esperando a oportunidade para se manifestar em toda sua brutalidade infértil.
Por isso ficamos desconfiados quando vemos algumas visões terrivelmente simplistas acerca dos crimes ocorridos nos últimos meses, principalmente em relação às tragédias que aconteceram dentro de espaços escolares. Alguns tentam colocar a responsabilidade em entidades especulativas como “cultura do ódio”, “política da morte” ou “narrativa da violência”, quando, na verdade, o problema é bem mais profundo, manifestando-se, não como uma abstração, imaginação ou análise sociológica, mas na nervura do real, no espaço mais desconhecido que existe: no espírito de algumas pessoas.
Infelizmente, essa é uma realidade óbvia assustadora e, talvez por ser tão próxima, nos faz desviar o olhar, inventando mil caminhos teóricos, para explicar tudo aquilo que nossa bestialidade é capaz de fazer.
Talvez um dia compreendamos aquilo que disse Guimarães Rosa, pela boca de Riobaldo, em "Grande sertão: veredas": “O diabo não há! ... Existe é homem humano mesmo”.