Passei, e ele estava lá, suas pupilas questionadoras desconstruíam o sentido para onde eu ia com pressa. Não me pediu nada, nem dinheiro nem comida. Seu corpo todo era uma grande indagação direcionada a mim e, por extensão, a todos que pertenciam ao meu grupo.
Eu, com titulação acadêmica, conhecedor de pensadores e debatedor em várias praças, não conseguia dialogar com aqueles olhos que traduziam todas as questões filosóficas em um balanço paciente de pálpebras. Naquele momento, a sabedoria estava com ele.
Nós, que conversamos com robôs, que jogamos xadrez contra a inteligência artificial, que enviamos satélites ao espaço, que fechamos as janelas de casa por comando de voz e que decidimos voltar à lua 50 anos depois, ainda não resolvemos um problema básico.
O menino continuava ali, no mesmo lugar, e não era um dado estatístico, pois estava na companhia de todos os seus ancestrais, desafiando a sociedade pós-moderna com a resistência típica daqueles que sobrevivem ante as batalhas mais injustas.
Crenças ideológicas pouco importam nesse momento. Ser de esquerda ou de direita, liberal ou conservador, não é uma questão que responde ao instante. A presença da fome em uma criança aponta para a vergonha de viver em uma sociedade que tortura inocentes.
Nada que eu pense será capaz de entender o que se passava naquela consciência, tão confiante de si. O que me atravessava não era a culpa, a responsabilidade ética ou a análise sociológica, mas um único sentimento: a tristeza que acompanha a impotência humana.
Nenhum monumento erguido na cidade será mais significativo que aquela presença silenciosa. Era uma criança, e o que mais doía era o fato de não ter, em toda aquela corporeidade, espaço para uma vida brincante.
Ele não precisava de nos julgar, pois estava acima de tudo que construímos como relação social. Com certeza, sabia de coisas, pessoas e lugares como um boêmio e entendia de revoluções bem mais que qualquer diretório acadêmico de universidade.
De tão soberano, não pedia explicações. Maior que eu, maior que nós, colocou-me diante da pequenez que nos impulsiona a correr pela cidade em busca de realizações pessoais. Sua existência, ocupando aquele espaço, tatuou em meu corpo a indignidade de carregar, para o resto da vida, o rosto de uma criança faminta.
Tinha um menino no meio caminho,
No meio do caminho, tinha um menino.
Nunca me esquecerei desse acontecimento,
Um menino com fome, no meio do centro.