Existimos sem perceber que a vida é uma contagem regressiva sob a qual não temos nenhum domínio nem conhecimento. Caronte, o barqueiro que transporta as almas, nos espera. Mas não sabemos o dia, a hora e nem o local. Isso não precisa ser motivo de desespero, a não ser que tenhamos perdido a consciência sobre a raridade existencial que preenche cada segundo.
Alguns especialistas dizem que uma pessoa adulta, em estado de saúde normal, tem cerca de 100 mil batimentos cardíacos por dia. Em uma projeção, com expectativa de 80 anos de vida, talvez tenhamos algo na casa 2,5 bilhões de batimentos. Alguns terão bem menos que isso. Outros, talvez mais. O mistério que permeia a humanidade nos coloca em estado de alerta diante da fragilidade que carregamos nas artérias.
Por isso nos perguntamos: como gastar, com beleza, os batimentos que ainda nos restam? Ou é melhor viver correndo por aí, sem compromisso vital, desconsiderando essa bomba-relógio que carregamos no peito? Talvez sejamos seres perdidos entre as urgências, mas nos desviando das perguntas fundamentais.
Em um de seus versos mais famosos, o poeta Petrarca vaticina: uma bela morte é capaz de honrar uma vida inteira. Parece estranho falar em “bela morte”, sobretudo em nossa cultura que, mais que nunca, tenta exalar a fragrância de eterna juventude com suas harmonizações faciais, silicones e demais procedimentos estéticos.
Mas o fato é que a finitude humana insiste em nos alertar a respeito dos interditos, das separações e do vazio angustiante que nos dá a exata dimensão da singularidade ausente daqueles que amamos.
A bela morte, ao contrário dos que muito pensam, não era necessariamente a morte no campo de batalha, alguém que sairia do anonimato e entraria para a história como uma alma heróica. Nos versos do poeta italiano percebemos claramente que ela é uma espécie de paixão, sentimento que faz a vida valer a pena.
Só morre dignamente quem vive apaixonadamente. O viver como um mergulho no presente, uma atenção ao real, tarefa cada vez mais difícil em um mundo cercado por telas e portais que sempre nos transportam para onde não estamos. Distraídos, nunca venceremos, e com certeza, no vazio, morreremos.
Cuidemos para que a urgência do cotidiano não nos distancie de uma vida bela, única forma de garantir uma morte digna.