Alguns agentes do mercado educacional, nos útimos tempos, veicularam a ideia de que os artefatos tecnológicos iriam salvar a educação. Durante a pandemia, com a necessidade do ensino remoto-emergencial, esse discurso foi intensificado e acelerado, transformando a sala de aula em um ambiente de experimentações digitais.
O debate pedagógico (que nunca era protagonizado por professores de carreira, diga-se de passagem) apontava para um cenário conclusivo: as escolas deveriam entrar, de cabeça, na era da revolução digital. Grandes telas em sala de aula, cabos e tomadas subindo pelas carteiras como se fossem trepadeiras biônicas e estudantes conectados a todas as informações da rede construíram um cenário distópico, relembrando a imagem platônica de homens afastados da realidade, presos ao fundo de uma caverna, na famosa alegoria de "A República":
Sócrates - “Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles.
Glauco – Que estranhos prisioneiros descreves!
Sócrates- Se assemelham a nós."
Acontece que os países de primeiro mundo já despertaram desse sonho mercadológico. Canadá, Finlândia, Escócia, Suécia, Holanda, Estados Unidos, Espanha e Portugal são apenas alguns exemplos de nações que estão revendo suas políticas educacionais em relação à entrada da tecnologia em sala de aula. De forma mais incisiva, elas baniram ou criaram políticas severas para regulamentar o uso de celular em sala de aula, como exemplo efetivo de um caminho para a retomada de uma aprendizagem qualificada.
O último relatório da UNESCO, publicado em 26/07/2023, com o instigante título "Tecnologia na Educação: uma ferramenta a serviço de quem?" traz um estudo pertinente a respeito dos impactos relativos às novas tecnologias em sala de aula. No questionamento inicial, temos dois elementos que já dão o que pensar: primeiro, a tecnologia não passa de uma ferramenta e, por isso, não pode tratada como a finalidade de toda a aprendizagem; segundo, como todo instrumento, ela sempre está a serviço de interesses e, dessa forma, não pode ser tratada como um elemento neutro dentro das escolas.
Segundo o relatório, “o uso de smartphones nas salas de aula leva os alunos a se envolverem em atividades não relacionadas à escola, o que afeta a memória e a compreensão”. A partir de evidências científicas, o documento faz uma leitura crítica a respeito do casamento entre tecnologia e educação.
Não é à toa que a Suécia já iniciou políticas educacionais que irão travar a digitalização das escolas e retornarão ao bom e velho livro didático. Em 2023, Lotta Edholm, Ministra da Educação, anunciou o investimento de 60 milhões de euros para a compra de livros em papel para substituir os tablets nas escolas. A responsável pela pasta afirma que o país está “em risco de criar uma geração de analfabetos funcionais devido à forma acrítica como se aborda a experiência da digitalização das escolas”.
De forma primorosa, a diretora geral da Unesco, Audrey Azoulay, nos relembra do mais importante: “nenhuma tela jamais substituirá a humanidade de um professor”. E é justamente disso que se trata, aprender é gesto orgânico, não mecânico, que se constrói na união entre o desejo de aprender e o desejo de ensinar. Nenhum instrumento, por mais inovador que seja, será capaz de substituir esse encontro que faz de nós seres humanos.