Jornal Estado de Minas

FILOSOFIA EXPLICADINHA

Os idiotas vestem rosa: Geração Z, Coaches e o Caixão da Barbie

Gosto de fazer um exercício cognitivo: imaginar como seremos estudados pelos antropólogos e historiadores do futuro. Fico pensando como eles irão descrever nossa forma de organização social e nosso jeito de se relacionar com a vida.





 

Seremos vistos como pessoas livres ou como um bando de colonizados virtuais? Ficaremos marcados pela descrença no conhecimento científico, pelo resgate do terraplanismo e pela propaganda anti-vacina? Falarão de nós como aqueles que criaram a pós-verdade e as fake News ou que conseguiram vencer uma pandemia?

 

No entanto, como imaginar não custa nada, além de ser um grande exercício de atualização filosófica, continuo buscando classificações para nosso tempo a partir dos eventos que surgem entre nós.

  

Fato é que somos a Geração Z. Acreditamos que devemos trabalhar enquanto alguns dormem, romantizamos o burnout e aceitamos não aposentar nunca, pois se tudo der certo, podemos ter um ataque cardíaco com 50 anos. Adoramos um coaching para pensar em nosso lugar, assim podemos colocar a culpa de nossas frustrações em alguém! Isso quando ele não coloca em nossa cabeça que devemos morrer, correndo uma maratona surpresa após um dia de trabalho.

 

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Aceleramos vozes, vídeos e fazemos qualquer coisa para pertencer a algum grupo, até seguir uma moda ridícula de raspar totalmente as sobrancelhas. Tudo isso porque somos tão solitários que ficamos aliviados quando saímos às ruas e vemos gente na mesma vibe, pois se o demônio veste Prada, os idiotas vestem rosa.





 

Tenho lá minhas dúvidas se somos mais avançados que os medievais. Basta um clique e acreditamos, todos, nas mesmas divindades, nos vestimos com a mesma túnica e cantamos os mesmos mantras. O poder da Indústria Cultural padroniza gostos e dociliza as imagens para o consumo fácil e rápido. O marketing, sempre eficiente, é capaz de construir um produto consumível tanto para as crianças de 12 anos quanto para as de 30.

 

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Nem a morte escapou da idiotice rosa. Se algumas civilizações ficaram conhecidas pela forma de honrar seus entes queridos, seja colocando uma moeda para o encontro de Caronte, o barqueiro do Hades, ou depositando o corpo amado no leito do rio, para que ele parta em direção a um novo nascimento, inventamos o “Caixão da Barbie”, típica criação da geração Z.

 

Ser ou não ser, eis questão. Disse Hamlet, no III Ato de Shakespeare. Frase curta que problematiza o custo-benefício de existir (só para resgatar um termo da moda). Melhor ir ao encontro do nada, sono profundo na mais completa escuridão, ou viver, mesmo diante das adversidades do real e da total ausência de garantias que constitui o amanhã?

 

Parece que não precisamos mais de se reocupar com essas questões. A indústria cultural encontrou o real sentido da vida: basta organizar sua partida em uma urna rosa, da Barbie, e transmitir seu funeral por uma live no twich, enquadrando na tela todos os familiares em uma cadeira gamer, enquanto seus amigos fazem uma dancinha de despedida no TikTok. Típico enterro de uma subcelebridade. Apertem os cintos e sejam bem-vindos a era do consumo, logo existo.