O primeiro passo para identificar alguém em plena crise existencial é perceber o quanto de si ele deixa em seu trabalho. Corpo cansado não encontra tempo para se angustiar, cabeça preenchida com metas alheias não tem espaço para questões pessoais.
A ética do trabalho, casada com o marketing criado pela psicologia positiva, construiu a sociedade do desempenho, termo cunhado por Byung-Chul Han e que define, com precisão, a sociedade moderna.
Não precisamos mais de chefes, patrões, generais ou líderes que cobrem a produção em dia. Já somos escravos de nós mesmos, com as absurdas metas diárias, aplicativos que controlam desde a alimentação ao cálculo dos passos, algorítimos que comandam atividades físicas e que nos recordam a hora de dormir.
Se antes a cobrança nos chegava de fora, agora todas elas já estão internalizadas. Diariamente, carregamos a culpa de ainda não termos produzido o suficiente, enriquecido rapidamente e chegado no lugar de destaque com milhares de seguidores.
Ninguém precisa nos lembrar do trabalho a ser entregue, pois já nos sentimos culpados pelo relatório não produzido, enquanto desviamos nosso olhar para a saúde desperdiçada e o amor não realizado. O crescimento de experiências solitárias em apartamentos minúsculos não é um resultado da “evolução humana”, mas sintoma de uma cultura que adoece.
Prova disso é o aumento exponencial no consumo de medicamentos destinados ao tratamento de depressão e ansiedade, principalmente entre os mais jovens. Anestesiar o corpo e alma tem sido a saída de escravos que se arrebentam existencialmente pelas ideias de foco, determinação e resiliência.
O modo de produção sabe, com todos seus agentes técnicos, que um otário motivado produz bem mais que um inteligente indignado. Inclusive faz ciência com isso.
“O trabalho Liberta”, diz a placa pendurada em Auschwitz, lembrete de um campo de extermínio. Quando o trabalho é máximo, o amor é mínimo. E todos os totalitarismos fazem do ato de amar o seu grande inimigo.