Lógico que esse caldo de cultura nos chega pelas inúmeras telas e dispositivos que carregamos em nossas mãos, bolsos e mochilas. Nenhum mal intrínseco nesse tipo de entretenimento passivo. Não há problema em amar as redes sociais, músicas de trinta segundos e filmes hollywoodianos. O problema é ter só isso como fonte de saber.
Suspeito que, cada vez mais, será raro encontrar pessoas sábias. Aquele tipo de gente capaz de analisar a vida a partir de uma sabedoria prática. Já percebemos, ao nosso redor, a inaptidão para as relações humanas, pois algoritmos não conseguem encontrar as melhores respostas para os vários dilemas éticos que experimentamos todos os dias.
O que fazer após um diagnóstico indigesto? Como continuar vivendo após a perda de alguém que amamos? Como conciliar a amizade com posições políticas opostas? Viver uma vida longa e comum ou breve e extraordinária? Ceder aos pedidos do pai em estado terminal ou continuar seguindo as prescrições médicas para o adiamento do inevitável? Como ser mais corajoso ou corajosa? O amor tudo suporta?
É por isso que os gregos são fundamentais, pois ainda nos ensinam muitas coisas. Sua narrativa mitológica não era vista, apenas, como forma de entretenimento ou “historinha”. O saber clássico era construído a partir de uma escolha pedagógica: ensinar ao homem uma forma de viver melhor.
Com todas as suas luzes e seus pontos cegos, as narrativas gregas tentavam imprimir na alma das pessoas uma espécie de sabedoria prática, utilizada como orientação diante das tragédias, quase sempre inevitáveis, presentes em qualquer história pessoal. Como diriam: o problema não é o destino injusto, mas a falta de dignidade para enfrentá-lo. O diferencial humano era visto como a possibilidade de manter a integridade, mesmo diante do universo trágico, que não era visto como uma máquina pronta para satisfazer nossos caprichos individuais.
O interesse da educação clássica não era informar as mentes, mas formar espíritos. Não com grandes lições edificantes e sistemas acabados para compreender a totalidade da realidade, mas com heróis e sábios cheios de humanidades, vícios e virtudes, diante de questões tipicamente humanas, auxiliando as pessoas comuns em suas batalhas diárias.
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Em nosso tempo, mergulhados em pobres narrativas, começamos a pautar nossa existência a partir de cancelamentos, lacrações e marketing existencial barato, geralmente dividindo o mundo, de forma simplista, entre bonzinhos e malvados. Mas sabemos que a vida não tão simples assim. O tecido social é construído de forma muito diferente.
Impossível não se lembrar dos gregos e a narrativa da Ilíada, com sua referência à Guerra de Troia. De todos os textos clássicos, confesso um apreço especial por ele. Homero, autêntico grego, sabia que, do lado de lá, entre as muralhas troianas, existia um homem nobre: Heitor.
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O leitor despercebido pode não notar a beleza dessa escolha. Mas o texto não faz, apenas, elogios a Aquiles, herói do exército grego. O poeta também é capaz de exaltar o “outro lado”. É como se ele disesse: olha, estamos guerreando com eles, mas sabemos que há muita nobreza, coragem e virtude heroica entre as muralhas inimigas.
Quantos de nós, nas questões políticas, para usar de exemplo, somos capazes de pensar assim? Creio que poucos. Ainda nos pautamos pela narrativa hollywoodiana que limita nossa visão entre heróis e vilões, como um típico filme da Marvel. Fomos (e somos) catequizados por uma visão rasteira sobre a realidade, atitude que nos trai e nos distrai. Somos incapazes de perceber que a humanidade é cheia de vícios e virtudes, claridades e escuridões, razões e loucuras. Nos constituímos na mistura de todas as emoções tecidas ao longo de nossa história, como resultado de decisões éticas, certas e erradas.
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A ausência de uma grande narrativa que nos dê sentido, como sociedade e sujeitos de cultura, contribui para o atrofiamento de nossa musculatura simbólica e cognitiva. Assim, nos distanciamos da tão sonhada sabedoria, nos afastando, também, desse grande agente civilizador: um bom texto.