O Príncipe não é um livro na forma que conhecemos. Isso porque ele não foi escrito e direcionado para uma editora publicá-lo em sua integralidade, dividido em capítulos, de forma progressiva, com o objetivo de demonstrar ou defender uma tese propriamente dita.
Maquiavel, filósofo que ficou conhecido na última semana por uma citação inapropriada de alguém que possivelmente se formou em direito por EAD, em alguma faculdade que utiliza metodologias ativas, era expert em dar dicas para situações variadas.
Ele atuava com uma espécie de conselheiro em favor da construção da República. Motivo pelo qual o texto que chamamos de O Príncipe não passa de um compilado contendo direcionamentos a respeito de estratégias políticas a serem tomadas pelo governante.
A época em que vive filósofo é recheada de intrigas, divisões e traições. Nada muito diferente do que vivemos no mundo da política atualmente. Nesse sentido, o pensador pretende ajudar o governo de Médici a manter a ordem diante do caos que se desenhava no horizonte de Florença entre os séculos XV e XVI, seio do Renascimento.
Mais da metade do livro é de uma chatice sem igual. Isso porque ele se propõe a descrever os assuntos particulares de personalidades específicas da época e as relações com a políticas. É como se alguém, daqui a 200 anos, resolvesse estudar algum caso de corrupção. O cerne do assunto é interessante, mas há diversos personagens que caíram no esquecimento. Lógico que existe um público especializado que se empolga a pesquisar esse assunto.
O fato é que o fundamento de sua teoria é muito interessante, pois tenta pensar a vida e as relações sociais de forma bem prática, sem se entregar a grandes sentimentos ou ao lirismo dos princípios morais. Talvez por isso o termo "maquiavélico" tenha ganhado uma conotação negativa, usado para pessoas que pensam apenas em prejudicar os outros ou agem com frieza. Mas não se trata disso. Pelo contrário, o filósofo pretende ajudar as pessoas a lidarem com a realidade, nua e crua, com força e vivacidade.
Maquiavel propõe um debate ético, falando diretamente à forma como vivemos e sobre como tomamos decisões. Para além dos tropeços assistidos no julgamento da última semana, considerar o pensamento do filósofo como uma bússola de vida poderá ajudar muito no dia a dia.
Encarar a vida de forma realista
Ao analisar as relações sociais, sobretudo aquelas que envolvem algum tipo de poder, Maquiavel é considerado um filósofo realista. O que isso quer dizer? Que ele não imagina o ser humano como deveria ser, mas o analisa como ele, de fato, é. Ao debatermos política, por exemplo, quase sempre entramos em uma discussão imaginária a respeito de como a sociedade poderia ser melhor, as instituições mais justas ou a humanidade mais bondosa. No entanto, o que percebemos na realidade é bem diferente. Jogos, traições e estratégias para vencer o outro fazem parte das relações sociais. Quem desconsidera isso já entra em desvantagem na batalha. É por isso que Maquiavel não jogaria no time dos utópicos, como os socialistas e liberais, por exemplo.
A melhor ação é aquela que traz melhores resultados
Em nossa vida nos deparamos com vários dilemas. Quem nunca ficou em dúvida diante de uma situação difícil? Na filosofia sempre discutimos o que torna uma decisão boa, excelente. A isso chamamos de ética, tentativa de fazer ciência das ações humanas, refletindo sobre sua bondade e maldade.
Utilizamos duas formas para avaliar uma ação: princípios e resultados. Podemos escolher princípios válidos para conduzir nossas ações e, com isso, alcançarmos alguma paz de consciência. Se falar a verdade é um princípio, isso quer dizer que essa regra deve ser utilizada em todas as atitudes.
No entanto, se você é surpreendido por um assalto e percebe que pode se livrar dos ladrões mentindo, por que não fazê-lo? Essa é aplicação da ética maquiaveliana. Não devemos desvalorizar os princípios, mas as ações humanas também são boas quando alcançam bons resultados.
No exemplo acima, a consequência de continuar vivo era bem melhor do que a regra de dizer a verdade.
O ser humano é um ser desejante
Na minha opinião essa é a melhor premissa. Pensar que o homem é movido pelo desejo, essa coisa desordenada e potente, faz toda a diferença para a forma como vamos conduzir a vida.
Ao contrário de outros pensadores, que definem o ser humano como um animal racional, como uma alma em direção à santidade ou consciente de suas ações, nosso pensador vê o sujeito como um indivíduo que, insaciável, sempre buscará realizar sua sede de poder, usado para o bem e para o mal.
Portanto, é preciso ter cuidado e inteligência para fazer uma boa leitura de cenário, tratando bem aqueles que nos tratam com ombridade, mas não sendo "bonzinho" com aqueles e aquelas que canalizam sua energia para fazer o mal. Vale lembrar: muitas vezes é melhor ser temido que amado.
Não que Maquiavel pregasse o ódio ou o medo. Ao contrário disso. É consenso que é bem mais fácil governar na paz e na segurança. No entanto, o amor é uma questão de tempo, exige entrega e reciprocidade. Nem sempre podemos contar com essa certeza nas relações humanas.
Fica a dica: o amor é uma coisa boa, mas esteja preparado, pois ele é, também, um sentimento raro.